São Paulo, quinta-feira, 04 de março de 2004
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Agulhadas aliviam queixas das grávidas

Sintomas clássicos como enjôo e sono podem ser amenizados com acupuntura; as picadas não doem mais nem menos nas gestantes

ANA PAULA DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

É compreensível que uma grávida se assuste com a idéia de ter espetadas agulhas na sua barriga. Mas o uso da acupuntura durante a gestação é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos. Uma opção aos medicamentos alopáticos para aliviar sintomas comuns à gestação, como náuseas e dor nas costas. Segundo o médico Hong Jin Pai, chefe da equipe de acupuntura do Centro de Dor do Hospital das Clínicas (HC), de São Paulo, e presidente da Sociedade Médica de Acupuntura de São Paulo, a técnica milenar "é um tratamento complementar destituído de efeitos colaterais, seguro e efetivo para os desconfortos da gravidez". A professora Sarah Steinmetz, 36, foi uma mãe que, superado o medo, comprovou a eficácia da técnica, à qual aderiu nas suas duas últimas gestações (Steinmetz tem cinco filhos). "Eu tinha medo das espetadas doerem, aflição de ver as agulhas entrando", confessa a professora. Mas a acupuntura amenizou as dores lombares que estavam atrapalhando sua rotina em casa e no trabalho. Dores nas costas são os sintomas que mais levam as gestantes aos consultórios especializados. Segundo Hong Jin Pai, as lombalgias afetam mais de 50% das grávidas, "causando um grau elevado de faltas no trabalho". Foi o que aconteceu com a bancária Lúcia Costa, 33, que está no sétimo mês de gravidez e faz acupuntura desde os três meses de gestação. As fortes dores que sentia afetaram sua produtividade no trabalho. Ela sofria com dores de cabeça e náuseas. "Nunca gostei de tomar remédio. Quando fiquei grávida, senti muito enjôo e enxaqueca, mas meu médico disse que eu não podia tomar nenhum medicamento. Aguentava firme para não prejudicar o bebê. Como já tinha ouvido falar que a acupuntura podia ajudar, pedi a opinião do meu obstetra, que achou a idéia excelente." O enjôo, diz ela, passou quase imediatamente. As sessões de acupuntura devem ser feitas de acordo com a intensidade dos sintomas apresentados. Em geral, variam de uma a duas vezes por semana.

Durante e após a gravidez
O obstetra Ricardo Barini, professor de obstetrícia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), indica para suas pacientes a aplicação das agulhas como segunda opção ao tratamento convencional. "Primeiro, tento solucionar o problema a partir das vias tradicionais, indicando remédios que não tenham efeito colateral. Se, mesmo assim, não surtirem efeito, peço que ela procure um bom acupunturista", diz Barini.
A indicação específica da OMS quanto ao uso da técnica durante a gravidez é para o alívio de lombalgias e, no pós-parto, como estímulo à lactação. A infectologista Erika Maria do Nascimento Kalmar, 31, disse que se beneficiou das agulhas para se proteger de contrações uterinas precoces na segunda gestação. "Meu médico me mandou procurar um acupunturista. Não parou completamente, mas melhorou muito", diz a médica. As agulhas também são muito úteis para as mães com dificuldade de amamentar. Um estudo da Organização Mundial da Saúde comprovou que o uso da técnica em lactantes aumenta o nível de prolactina no sangue. Esta substância é responsável pela produção do leite materno. "Há mulheres que, por alguma razão, não podem tomar medicamento após o parto e recorrem à acupuntura. Mas sua grande aplicação é mesmo durante a gravidez", afirma a obstetra Rosa Maria Ruocco, chefe do ambulatório de pré-natal do Hospital das Clínicas (HC), de São Paulo, que utiliza a técnica desde os anos 90. Ruocco conta que mesmo as gestantes mais "incrédulas" acabam aderindo à técnica para tratar sintomas, principalmente as dores lombares. "A dor que elas sentem é tanta que, depois que vêem que as agulhas fazem efeito, adotam o tratamento, divulgando-o para outras grávidas."

Para as mais temerosas
As agulhas utilizadas na acupuntura, que medem cerca de 0,25 mm de espessura, são -e não podem deixar de ser- descartáveis ou esterilizadas, e sua aplicação é quase indolor. Mesmo sabendo disso, algumas gestantes não conseguem superar o medo das agulhas. Estas podem se beneficiar das versões alternativas da técnica. No lugar das agulhas, são usadas pequenas ventosas que provocam sucção ou adesivos ligados a eletrodos que produzem estímulos semelhantes às agulhadas.

Risco de aborto
Há uma crença, não comprovada, de que a acupuntura pode provocar aborto. Hong Jin Pai participou, na China (onde o aborto é permitido por lei), de pesquisas que buscavam verificar se as agulhas poderiam induzir à interrupção da gravidez. "Mas isso não ficou comprovado com os estudos", afirma o médico.
"Acredito que esse boato [sobre o aborto] se deu porque a técnica consegue provocar a indução do parto, mas somente na hora de o bebê nascer, e não antes. A acupuntura não trabalha contra a natureza, somente a favor dela", diz Wu Tu Hsing, chefe do ambulatório de acupuntura da divisão de medicina física do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas, de São Paulo.
Como medida de precaução, para evitar que qualquer complicação na gravidez seja creditada à acupuntura, Wu Tu Hsing e Hong Jin Pai desaconselham a introdução das agulhas na região do baixo-ventre. "Exceto essa restrição, a acupuntura realizada em gestantes é feita da mesma maneira que em outras situações", diz Hong, afirmando que as agulhadas não doem mais pelo fato de a mulher estar grávida -nem menos.
A medicina tradicional chinesa aponta outra restrição. Segundo a visão clássica, em alguns períodos da gestação (na primeira e na última quinzena), a acupuntura não deve ser aplicada em nenhuma região do corpo.

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