São Paulo, quinta-feira, 04 de julho de 2002
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Nesse embate, ambos têm suas armas; filhos exigem explicação para as proibições; pais podem assumir suas fragilidades

Adolescente não cresce sem conflito com os pais

Marcelo Barabani/Folha Imagem
O estudante Francisco Esteves de Oliveira, 16, passou a se preocupar mais com o que os outros pensam a seu respeito


ANTONIO ARRUDA
DA REPORTAGEM LOCAL


Eles contestam, questionam, cutucam, contrariam e provocam. Saem batendo porta e pisando duro, berram em vez de falar e sempre estão com a razão. Temperamentais, os adolescentes são os típicos criadores de encrenca em casa, onde travam uma batalha diária com os outros membros da família, com a empregada, com os vizinhos e com o porteiro. De vez em quando, sobra até para o cachorro.


Mas nada disso é negativo, como podem pensar muitos pais. É desgastante para todos, claro -apesar de que ninguém fica desarmado (leia na pág. 10)-, porém o embate é absolutamente necessário. Aliás, o motivo de preocupação é quando ele não acontece.
"Se o conflito não existisse, o adolescente não teria uma das atitudes fundamentais nesse período: afastar-se da família para inserir-se no espaço social", diz a psicóloga e colunista da Folha Rosely Sayão. O embate é requisito para a conquista da almejada autonomia e, principalmente, para que o adolescente defina sua identidade. Na falta dele, o filho pode se acomodar numa posição infantil, o que significa não assumir responsabilidades nem responder por suas atitudes, afirma a psicóloga.
O estudante Eduardo Chammas, 17, que está na reta final da adolescência (a fase vai dos dez aos 19 anos, segundo a Organização Mundial da Saúde), chega a racionalizar a função do embate: "É importante para eu obter parâmetros sobre o que eu quero ou não e para poder tocar a vida. Depois dos conflitos é que repensamos o que somos".
Chammas está na fase mais tranquila da guerra, quando há mais momentos de trégua. Sim, porque a adolescência é composta de duas fases. A primeira começa por volta dos 11 anos, indo até os 15, mais ou menos. É a mais árdua: "Se os pais largarem mão, os filhos vão fazer as piores burradas da vida deles", diz Sayão. E os filhos vão querer emparedá-los, afirma Tania Zagury, professora de psicologia da educação. "Os pais devem estar muito atentos e mostrar que os questionamentos podem e devem estar presentes, desde que não firam os valores morais da família."
Na segunda parte da adolescência, ninguém ainda se vê livre do conflito, mas ele já é mais suave, diz a psicanalista Nara Amália Caron.
As contundentes atitudes dos filhos que costumam deixar os pais de queixo caído estão intimamente ligadas às grandes questões que passam a dominar o universo e a mover a vida dos filhos quando eles entram na adolescência (leia mais na página 10). A busca pela autonomia é uma dessas questões, a qual ocorre por meio da necessária transferência de responsabilidade. Ou seja, o que era responsabilidade dos pais em relação à integridade física e moral do filho passa a ser dele.
Sobre a transferência da responsabilidade aos filhos -o que costuma ser um dilema para os pais -, Sayão diz que ela deve ser gradativa. "Quando os filhos ainda são crianças, os pais cuidam 100% deles. Na adolescência, esse percentual deve ir se reduzindo, até que o filho seja 100% responsável por si, daí ele é um adulto", diz ela.
A revolução hormonal e metabólica, que atinge em cheio os garotos e as garotas, também responde por emoções e comportamentos típicos da fase. Alterações de humor, aumento da temperatura do corpo, ansiedade e euforia são algumas delas, diz o pediatra e endocrinologista Durval Damiani, do Instituto da Criança, da USP.
As mudanças orgânicas aliadas aos conflitos internos justificam o embate com os pais. "Para mim, o que importa é viver o momento, sentir prazer naquilo que faço e que está ao meu alcance", diz a estudante Carolina Jéssica Sacconi, 13. "O que os outros iam pensar de mim foi uma das principais mudanças que percebi na adolescência", diz Francisco Esteves Ferreira de Oliveira, 16. "Fiz um piercing sem minha mãe saber. Quando ela descobriu, ficou muito brava, mas eu contestei e disse: "Pô, mãe, o corpo é meu!'", diz uma outra estudante de 13 anos. Luciana Pitombo, da mesma idade, tenta barganhar com o pai quando ele nega algum pedido. "Digo que, se ele me deixar fazer tal coisa, depois eu faço outra que ele queira."
Como Luciana, os adolescentes costumam se valer de várias armas -por sinal, manjadas pelos especialistas- para conseguir o que desejam (leia a relação na página 10).
"Não estamos acostumados a lidar com um filho que exige as coisas de nós; antes, nós mandávamos nele. Parece que os papéis se invertem, e que eles são os mandões", afirma a arquiteta Adriana Cury. O filho, André Lucarelli, 14, confirma: "Quando eu era pequeno, era do tipo "carentinho". Hoje sou menos, tomo decisões de acordo com o que penso. Minha mãe não tem porquê me proibir de ir a uma festa, pois ela sabe que já posso responder pelos meus atos".
Experiência de mãe, nessa hora, não é o suficiente para garantir a sua "sobrevivência" no embate. "Você aprende com os erros que comete com um e tenta não repetir com o outro, mas não é tão simples assim", diz Fernanda Lichtenberger, 46, mãe de Priscila, 20, Marina, 19, e Carlos, 16.
"Cada um tem uma personalidade, mas todos parecem que, de uma hora para a outra, começam a ir contra os pais em tudo", diz ela, que às vezes levanta as mãos para o céu e diz: "Meu Deus, haja paciência!".
Mas só paciência não é o suficiente. É preciso resistir bravamente aos conflitos, jamais esmorecer. "Os pais precisam ter muita resistência para atravessar essa fase. É preciso fôlego para enfrentar a empreitada", diz a psiquiatra Olga Garcia Falceto, do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Mas a psiquiatra alerta que a guerra é saudável até um determinado limite. Se o conflito atinge um grau que passa a prejudicar o desenvolvimento normal do adolescente, fazendo com que ele vá mal na escola, tenha problemas de saúde (como distúrbios alimentares) ou passe a ter atitudes perigosas (como consumir álcool em excesso), a família deve procurar o auxílio de um especialista.



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