São Paulo, quinta-feira, 04 de setembro de 2008
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

[+]CORRIDA

Rodolfo Lucena

Errar é humano

Com graça quase infantil, Jade salta, pula, faz piruetas na trave e, enfim, pára.
Equilibra o corpo na perna esquerda, gira com elegância a direita e cai. É um "oh!" na platéia, de pena e susto, mas a atriz principal parece inatingida. Olha para um lado, para o outro, levanta-se e volta à trave e aos exercícios.
Para mim, foi uma das mais marcantes cenas da Olimpíada de Pequim. O erro, o tombo, a derrota e a capacidade de erguer a cabeça e começar de novo, como se aquele desastre não fosse o fim do mundo, apenas contingência do esporte, da vida.
De fato, não era o fim do mundo, mas, para muitos de nós, o erro é quase isso. Nas corridas e nos treinos, então, não há corredor que não passe por seus altos e baixos. Três segundos a menos em uma volta, um treino mais lento e nada mais na vida vale a pena.
Em contrapartida, basta um elogio ou uma prova feita com galhardia para alterar o humor do atleta amador.
Parece que quem corre para se divertir, para se superar, para relaxar acaba forçando sobre si cobranças tão grandes quanto as vividas por profissionais -ou, até, relativamente mais pesadas, pois os amadores não são treinados para conviver com elas.
Nós, como eles, precisamos ser capazes de enfrentar e dar a volta por cima quando não chegamos ao objetivo desejado. Foi o que ouvi de Sâmia Hallage, 40, psicóloga que acompanhou a seleção feminina de vôlei, ouro em Pequim depois da derrota em Atenas.
"O ser humano cresce muito quando tem uma dificuldade, quando erra, quando cai. Só que aí ele precisa fazer uso dessa situação de maneira positiva", diz ela, que alerta: "Às vezes, a gente enxerga que toda a felicidade do mundo está em diminuir três segundos naquela volta de 400 metros. E deixa de ver quantas outras coisas importantes estão acontecendo na nossa vida".
O exagero vira até uma doença, mais comum entre os praticantes de musculação, chamada vigorexia. "Esse vício da atividade física é uma doença da sociedade moderna. A pessoa acaba se isolando dos relacionamentos, da família; às vezes, compromete o trabalho em busca de um corpo perfeito e, por mais que ela faça atividade física, mais ela precisa fazer, pois nunca está satisfeita", diz Hallage.
Isso tem a ver com a incapacidade de aceitar o erro, o tombo, a lerdeza. E o corredor, como qualquer pessoa, tem de aprender a derrotar o erro para poder continuar correndo. Capaz. E feliz.


RODOLFO LUCENA , 51, é editor de Informática da Folha, ultramaratonista e autor de "Maratonando, Desafios e Descobertas nos Cinco Continentes" (ed. Record)

rodolfolucena.folha@uol.com.br

www.folha.com.br/rodolfolucena



Texto Anterior: Inspire Respire Transpire: Piscina com história
Próximo Texto: Dia-a-dia / Em casa: Para durarem, acessórios devem ser lavados logo após o treino de natação
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.