São Paulo, quinta-feira, 04 de novembro de 2004
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Excesso de compromissos profissionais pode provocar a síndrome de "burnout"

MARIANA VIVEIROS
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Dizer que o estresse contínuo causado pelo trabalho traz conseqüências sérias à saúde pode soar como exagero ou, por outro lado, obviedade. Não é nem uma coisa nem outra, segundo a psiquiatra Maria Cristina De Stefano, 52, com base numa experiência pessoal vivida há três anos e no diagnóstico dos pacientes que atende em Jundiaí (SP).
Por causa do excesso de atribuições, pressão, preocupações e frustrações - "pacote" que ganhou a adição de um cargo de diretora numa instituição particular de saúde-, De Stefano acabou, ao fim de 12 meses, com uma inflamação na tireóide, entre outros problemas, e foi diagnosticada como depressiva. Não era. Estava, sim, consumida pelo trabalho, ou, como dizem os especialistas, em "burnout".
O termo, que na gíria inglesa identifica usuários de droga que se acabaram por causa do vício, significa, ao pé da letra, o esgotamento ocasionado pelo consumo excessivo de energia. Ganhou espaço na literatura médica a partir de 1974, em estudos feitos nos EUA com profissionais de saúde, e designa uma resposta emocional e física ao estresse ocupacional crônico.
Embora a síndrome tenha sido identificada inicialmente em trabalhadores que lidam diretamente com outras pessoas e têm alguma responsabilidade sobre as vidas delas (médicos, psicólogos, bombeiros, policiais, enfermeiros e carcereiros, entre outros), ela pode afetar qualquer um: de executivos a donas-de-casa.
No caso de Maria Cristina De Stefano, a rotina de trabalho de até 14 horas diárias, reuniões intermináveis, cobranças, dois filhos adolescentes para criar sozinha e a necessidade de cuidar da mãe recém-operada resultaram num cansaço crônico que evoluiu para insônia, mau humor permanente, uma crise de herpes e terminaram na tireoidite.
Depois de um ano sofrendo, a psiquiatra descobriu que estava em "burnout" após ler um livro sobre a síndrome. Hoje, mantém apenas o consultório, deixou de trabalhar nas tardes de sexta-feira, parou de atender pacientes de convênios, pratica exercícios ao menos duas vezes por semana, entrou num coral e numa confraria de vinhos e faz trabalhos voluntários, tudo em busca de mais qualidade de vida. "É preciso buscar ajuda e mudar", receita.
Causas e consequências
O estado de "burnout" é causado por uma conjugação de fatores internos e externos, explica a psicóloga Ana Maria Benevides-Pereira, 54, autora do livro que ajudou no autodiagnóstico de De Stefano ("Burnout: Quando o Trabalho Ameaça o Bem-Estar do Trabalhador") e de uma série de artigos sobre o tema.
Profissionais mais idealistas, exigentes consigo mesmos, dedicados e com menos capacidade de lidar com situações difíceis estão mais propensos a sofrer da síndrome. Assim como aqueles que estão sujeitos a desorganização, baixos salários, poucas perspectivas de promoção, assédio moral e competição excessiva no ambiente de trabalho.
Além dos problemas característicos do estresse em si (dores de cabeça, insônia, gastrite, diarréia, alterações menstruais), o "burnout" se caracteriza sobretudo pelas ausências no trabalho e pela adoção de uma postura cínica e rude em relação ao outro, sejam colegas, clientes ou pacientes, o que os estudiosos chamam de despersonalização, diz Benevides-Pereira, que integra o Gepeb (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Estresse e Burnout), da Universidade Estadual de Maringá (PR).
E, apesar de a legislação brasileira permitir o afastamento do trabalho em razão de "burnout", com direito à retirada do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e estabilidade no emprego, o diagnóstico não é mesmo muito simples, afirma a psicóloga. Segundo ela, ainda falta informação por parte dos médicos e coragem por parte das empresas para atacar o problema de frente.
"As empresas estão começando a tomar consciência de que têm de fazer mais que oferecer plano de saúde e ginástica laboral porque, se os funcionários faltam ou não realizam suas tarefas de forma adequada por causa de "burnout", o prejuízo é grande. Muitas já levam a questão do estresse a sério nos exames anuais e cuidam do ambiente de trabalho para evitar casos crônicos", afirma Cecilia Cibella Shibuya, presidente da ABQV (Associação Brasileira de Qualidade de Vida).
Prova disso é que nomes como Natura, Basf, Accor, Procter&Gamble e Vivo formaram no mês passado o Gesc (Grupo de Estudo em Saúde Corporativa), coordenado pelo médico Ricardo De Marchi, ex-presidente da ABQV e que tem o intuito de discutir e buscar saídas para melhorar a gestão de saúde dos trabalhadores. O tema será alvo de debates no 2º Global Health Seminar, que ocorre entre 16 e 20 em São Paulo.
As discussões e a realização de estudos nessa área são importantes, na avaliação de Shibuya, para que as estatísticas convençam de vez os empresários de que cabe a eles tomar as principais medidas no sentido de combater o "burnout".


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