São Paulo, quinta-feira, 04 de novembro de 2004
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s.o.s. família

rosely sayão

As escolhas da mulher-mãe

Recebi, de duas leitoras que têm filhos - uma delas um recém-nascido - questões bem interessantes a respeito da relação da mulher com a maternidade e a carreira e/ou a vida profissional.
A primeira conta que pôde escolher abdicar da carreira para se dedicar integralmente à tarefa de ser mãe, e explica que fez essa escolha por considerar o acompanhamento cotidiano da vida dos filhos a tarefa mais importante da vida dela, pelo menos nesse período em que eles são crianças.
Já a segunda, prestes a retornar ao trabalho após a licença maternidade, tem duas queixas. Em primeiro lugar, que não tem a escolha de trabalhar em regime de tempo parcial; em segundo, que as empresas não ofereçam creche no local de trabalho da mãe, ou em local bem próximo.
Ser mãe supõe, principalmente, disponibilidade pessoal para criar o vínculo com o filho, educá-lo, cuidar dele - em todos os sentidos - e acompanhar seu crescimento e desenvolvimento com especial atenção para as mudanças que isso demanda. De preferência, todas essas tarefas devem ser cumpridas com muita paciência, o que não é fácil.


Mesmo lado a lado com a mãe, o filho precisa aprender a se separar dela para ter condições de construir sua vida de modo autônomo


Uma mulher mais satisfeita com a vida que leva - trabalhando profissionalmente ou não - certamente tem maiores chances de conseguir dar conta de tão árdua função. Por isso, para os filhos é melhor ter a mãe menos tempo por perto, mas mais realizada com sua vida, do que uma mãe insatisfeita o tempo todo à sua volta. Do mesmo modo, para o filho também pode ser bem melhor ter mais a presença da mãe do que a possibilidade de uma vida material mais rica e confortável.
É ingenuidade a mulher acreditar que é possível passar as 24 horas do dia dedicando-se aos filhos. Um dos mais importantes é que a mulher, mesmo estando sempre em casa, tem - e deve ter - sua própria vida. Aliás, é muito positivo para o filho que ele perceba que não é o único e mais importante motivo de vida para a mãe. Esta deve garantir seus outros interesses como ter seus momentos a sós com o marido quando é casada e assegurar seu período de descanso, de cuidados consigo mesma, de relacionamento com pessoas de sua geração, de lazer etc.
Mesmo lado a lado com a mãe, o filho precisa aprender a se separar dela para ter condições de construir sua vida de modo autônomo. Não deve ser nada fácil para a criança ter a responsabilidade de arcar com o peso de preencher a vida da mãe, não é verdade?
Ser mãe, portanto, tem a ver muito mais com a possibilidade de a mulher se conhecer, reconhecer seus anseios de vida, suas possibilidades e seus limites, do que com esta ou aquela escolha que faz para levar sua empreitada materna adiante.
No trabalho profissional, por sua vez, a mulher que se sente mais tranqüila com o ambiente e com as pessoas com os quais deixa os filhos - principalmente os menores de seis anos - consegue exercer muito melhor seu potencial de trabalho - e não me refiro aqui ao aumento de produtividade ou motivação. Por isso, é bem difícil de compreender os motivos que as empresas que empregam mulheres têm para não assumir de fato e integralmente a responsabilidade de oferecer às funcionárias com filhos pequenos local e pessoal formado para acompanhar essa fase da vida da criança. O investimento exigido é tão pequeno e resultaria em tanto. A isso chamamos responsabilidade social.
A mulher que trabalha fora, ao sentir-se respeitada em seu papel de mãe pela empresa que a emprega, ao ter a possibilidade de dedicar seu horário de almoço ou café para estar com o filho que está ali perto e de conhecer melhor a maneira de a creche - ou escola de recreação - trabalhar e até participar de sua concepção e gestão, certamente responderia com reciprocidade ao empregador. Respeito mútuo é algo que se constrói, afinal.
O mesmo vale para a possibilidade de escolher trabalhar meio período, pelo menos por alguns anos, para as mulheres que assim o quiserem - ou puderem. Essa é uma luta que a sociedade civil, que tanto tem reclamado da qualidade e dos valores da educação familiar - deveria assumir.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail: roselys@uol.com.br


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