São Paulo, quinta-feira, 04 de dezembro de 2008
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NEUROCIÊNCIA

Suzana Herculano-Houzel

De cama


[...] Se você não se sente bem, é porque seu cérebro está recebendo sinais dos órgãos do corpo de que algo está errado

Sabe aquelas semanas em que há tanto a fazer que você quase torce por um resfriadozinho, uma razão para passar dois dias de cama, zerando os contadores? Na quinta-feira passada eu estava com um desânimo de dar dó, querendo muito alguma razão para não ir ao trabalho (mas fui). Na sexta, meus desejos se realizaram: estava legitimamente de cama. Ah, como é bom ficar levemente doente de vez em quando e poder curtir um travesseiro, um livro bobinho e botar o sono em dia sem culpa.
Minha suspeita, no entanto, é que minha torcida por uma doencinha passageira era, de fato, a primeira manifestação de uma virose se instalando já na quinta-feira.
A razão? A doença nos sobe à cabeça e não é apenas por causa do mal-estar.
É verdade que o mal-estar é um aliado poderoso. Se você não se sente bem, é porque seu cérebro está recebendo sinais dos órgãos do corpo de que algo está errado e precisa da sua atenção. Às vezes, a alteração corporal é causada pelo próprio cérebro em resposta ao estresse, por exemplo na forma de suor frio, e isso serve de ajuda para você tomar consciência da situação e resolvê-la.
Mas, outras vezes, o mal-estar vem de alterações que escapam ao controle do cérebro, como a invasão do corpo por vírus e bactérias. No processo, várias interleucinas, substâncias produzidas pelo sistema imunitário em resposta à presença de invasores, entram no cérebro e atingem o hipotálamo, que, por sua vez, abafa os sistemas de alerta e motivação.
Assim, enquanto as interleucinas estiverem elevadas no sangue, ficaremos letárgicos, indispostos, desatentos e preguiçosos e seremos forçados pelo próprio cérebro a parar de gastar energia em atividades temporariamente supérfluas e dar chances ao corpo de se recuperar. O que, em casos de teimosia como o meu, é a única coisa que me faz sossegar.
Foi assim que há algum tempo, depois de uma maratona (acidental, devo dizer em minha defesa) de palestras e viagens, descobri-me com pneumonia, na emergência de um hospital e aliviada. Ligada a monitores por uma dezena de fios, virei para meu marido, preocupado, e anunciei, sorrindo, o pensamento feliz que me ocorreu: eu seria obrigada a cancelar todas as aulas e palestras daquele mês. Não era maravilhoso? Ficar seriamente de cama me ensinou a não aceitar tudo o que me propõem, para não voltar a adoecer de exaustão. E desde então tento respeitar meu hipotálamo.
Quando ele me manda voltar para a cama, eu obedeço...


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora do livro "Fique de Bem com o Seu Cérebro" (ed. Sextante) e do site "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (www.cerebronosso.bio.br)

suzanahh@folhasp.com.br



Texto Anterior: [+]Corrida - Rodolfo Lucena: Democracia dos corpos
Próximo Texto: Poucas e boas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.