São Paulo, quinta-feira, 05 de fevereiro de 2009
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SAÚDE

Ponha a mão suja na boca!

JANE E. BRODY
DO "NEW YORK TIMES"

Se você perguntar às mães por que os bebês costumam apanhar coisas do chão e colocá-las na boca, é provável que elas respondam que se trata de instinto -é dessa maneira que eles exploram o mundo que os cerca. Mas por que a boca, quando a visão, a audição, o tato e o olfato são mais eficientes na identificação das coisas?
Quando meus filhos eram pequenos e exploravam as ruas do Brooklyn, eu sempre imaginava que graça eles percebiam em experimentar tijolos moídos ou cocô de cachorro seco quando costumavam rejeitar meu delicioso purê de batatas.
Já que comportamentos instintivos representam vantagem evolutiva -ou não teriam sido retidos por milhões de anos-, a probabilidade é que isso também nos tenha ajudado a sobreviver como espécie. E, de fato, um acúmulo considerável de indícios parece sugerir que comer sujeira faz bem.
Em estudos sobre o que os cientistas chamam de "hipótese da higiene", pesquisadores estão concluindo que organismos como os milhões de bactérias, vírus e especialmente vermes que penetram no corpo em companhia da "sujeira" promovem o desenvolvimento de um sistema imunológico saudável. Diversos estudos longos sugerem que vermes podem ajudar a redirecionar um sistema imunológico que tenha perdido a orientação e, por isso, resultado em doenças imunológicas, alergias e asma.
Esses estudos, acompanhados por observações epidemiológicas, parecem explicar por que distúrbios do sistema imunológico como a esclerose múltipla, o diabetes tipo 1, as doenças inflamatórias dos intestinos, a asma e as alergias tenham apresentado elevação em sua incidência nos EUA e demais países desenvolvidos.
"O que uma criança faz ao colocar coisas na boca é permitir que seu mecanismo de resposta imunológica explore o ambiente que a cerca", afirma Mary Ruebush, professora de microbiologia e imunologia, em seu novo livro, "Why Dirt Is Good" [por que a sujeira faz bem].
"Não só isso permite o "treinamento" das respostas imunológicas de que o corpo precisará para proteção como o processo desempenha papel crucial em ensinar ao sistema de resposta imunológica sobre sinais que ele deveria ignorar", afirma.
Um conhecido pesquisador nesse campo, Joel Weinstock, diretor de gastroenterologia e hepatologia no Centro Médico Tufts, em Boston, diz que o sistema imunológico, no nascimento, "é como um computador não programado, que precisa de instrução". Ele afirma que medidas de saúde pública, como limpar a água e os alimentos contaminados, salvaram incontáveis crianças mas também "eliminaram a exposição a organismos que provavelmente nos fazem bem".
"Crianças criadas em um ambiente ultralimpo não estão sendo expostas a organismos que as ajudam a desenvolver os circuitos regulatórios adequados em seus sistemas imunológicos", diz. Estudos que ele conduziu em parceria com David Elliott, gastroenterologista e imunologista da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, indicam que os vermes intestinais, praticamente eliminados nos países desenvolvidos, "provavelmente exercem o papel principal" na regulagem do sistema imunológico para que responda de maneira apropriada. Ele acrescentou que infecções bacterianas e virais parecem influenciar o sistema imunológico da mesma maneira, mas não com vigor comparável.
A maioria dos vermes pode ser considera inofensiva, especialmente para as pessoas bem nutridas, acredita Weinstock. "Existem muito poucas doenças que as pessoas apanham dos vermes", disse ele. "Os seres humanos se adaptaram à presença da maioria deles".

Vermes para a saúde
Em estudos com camundongos, Weinstock e Elliott usaram vermes para prevenir e reverter doenças do sistema imunológico. Na Argentina, portadores de esclerose múltipla infectados com o verme tricocéfalo humano apresentaram menos surtos da doença em um estudo que durou quatro anos e meio.
Na Universidade do Wisconsin, em Madison, o neurologista John Fleming está testando se o uso da versão porcina do tricocéfalo pode temperar os efeitos da esclerose múltipla. Em Gâmbia, a erradicação de vermes em algumas aldeias levou ao surgimento de reações de pele mais intensas a agentes alergênicos entre as crianças, segundo David Elliott. E os tricocéfalos porcinos, que residem por curto período no aparelho intestinal humano, também tiveram "efeitos positivos" no tratamento de doenças do intestino, do mal de Crohn e da colite ulcerosa.
Para Elliott, a regulagem imunológica é entendida hoje como um processo mais complexo do que parecia ser o caso no momento em que o epidemiologista britânico David Strachan introduziu a hipótese da higiene, em 1989. Strachan notou uma associação entre famílias grandes e uma incidência reduzida de asma e alergia.
Em resposta à pergunta "será que somos limpos demais?", Elliott responde que "a sujeira tem seu preço. Mas a limpeza também. Não estamos propondo uma volta aos ambientes repletos de germes de 1850. Mas se compreendermos devidamente como os organismos do ambiente nos protegem, talvez possamos criar uma vacina ou imitar seus efeitos por meio de um estímulo inócuo".

Lave com moderação
Mary Ruebush, apesar de seu livro sobre as vantagens da sujeira, também não sugere um retorno à imundície. Mas ela lembra que existem bactérias em toda parte: dentro do nosso corpo, sobre nosso corpo e em tudo o que nos cerca. A maioria desses micro-organismos não causam problemas, e muitos são essenciais à boa saúde.
"O ser humano típico abriga cerca de 90 trilhões de micróbios. O fato de ter tantos micróbios de tipos diferentes é o que o ajuda a se manter saudável na maioria do tempo", escreveu. Ela deplora o fetiche atual por produtos antibacterianos que transmitem uma sensação de falsa segurança e podem fomentar o desenvolvimento de bactérias resistentes a antibióticos e causadoras de doenças. Limpeza requer apenas água e sabonete comum, acredita.
"Certamente recomendo lavar as mãos depois de usar o banheiro, antes de comer, depois de trocar uma fralda, antes e depois de manusear alimentos, e sempre que elas estiverem visivelmente sujas", escreveu. Weinstock vai mais longe. "As crianças deveriam ser autorizadas a brincar descalças na terra, e deveriam ser autorizadas a comer sem lavar as mãos", diz.
Ele e Elliott apontam que crianças criadas em fazendas muitas vezes crescem expostas a vermes e outros organismos, pelo contato com os animais rurais, e sua probabilidade de desenvolver alergias e doenças imunológicas é muito menor.
Igualmente útil, diz ele, "é permitir que as crianças tenham dois cachorros e um gato", o que as exporá a vermes intestinais capazes de promover o desenvolvimento de um sistema imunológico saudável.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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