São Paulo, quinta-feira, 05 de março de 2009
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[+] CORRIDA

Rodolfo Lucena

Correr por correr


[...] Cada um, na esteira ou no asfalto, na praia ou na grama, descobre seu jeito de correr

Eu gosto de maratonas. Adoro os longos e solitários treinos em que me perco em mim mesmo; admiro o desafio e aprecio a estranheza de acordar cedo para sair a suar por aí; reconheço as dificuldades do percurso, aproveito a conquista do ritmo, o ciclo de cada passada e, principalmente, me embebedo da euforia da chegada.
Já Cristina Helena, minha cachorra, só quer saber de velocidade, alta velocidade.
Quando lhe digo "Vamos!", ela reage como um raio, músculos explodindo em satisfação, disparando desabrida.
Isso dura segundos, o suficiente para que o esforço vire paz e exija descanso, trote, parada, água.
Um amigo meu, se alguém lhe pergunta se está treinando, responde: "Só na esteira, um pouquinho...", em voz baixa, como se pedisse desculpas. Mas ele já foi visto galopando na Sumaré tal qual em preparação para a conquista de algum pódio por aí.
Não importa. Corredores, nós os temos de todos os tipos. Apesar de, em certos círculos, haver gente que procure rotular, catalogar e, acima de tudo, hierarquizar, estabelecendo categorias e impondo oposições, até hoje não vi nenhuma razão que justificasse dizer que fulano ou sicrano são "corredores de verdade", enquanto beltrano não passa de alguma outra coisa indefinida.
Cada um, na esteira ou no asfalto, na praia ou na grama, descobre seu jeito de correr, sua intensidade e seu desejo.
Há quem caminhe e corra, há quem corra e caminhe; outro prefere dar tudo em um estirão, enquanto outro ainda aprecia o ritmo tranquilo. Alguns treinam pensando em uma prova certa, perfeita; outros só rodam para tentar baixar a barriga.
Essa é a magia desse esporte individual, mas tão coletivo. Não há regras nem leis; cada um faz como quer, quanto quer, onde tiver vontade. Se, porém, desejar regulamentos, vai encontrá-los em planilhas de treinamento, orientações sobre como respirar e dar a passada certa, como seguir modelos disso e daquilo para alcançar determinado objetivo.
Em resumo: você é o dono, mesmo quando se transforma, por vontade própria, em humilde e obediente atleta. O próprio correr ensina, conquista seu corpo e ajuda a dizer para onde você vai.
Pode rodar horas e horas numa pista, no mesmo percurso, descobrindo diferenças a cada volta, aprendendo um pouco mais de si a cada passada. Ou pode sair mundo afora, seguindo seu próprio nariz, descortinando horizontes, sem lenço nem documento, como diz a canção.
Assim ou assado, o que vale é correr por correr. Por prazer.


RODOLFO LUCENA , 52, é editor de Informática da Folha , ultramaratonista e autor de "Maratonando, Desafios e Descobertas nos Cinco Continentes" (ed. Record)

rodolfolucena.folha@uol.com.br

www.folha.com.br/rodolfolucena



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