São Paulo, quinta-feira, 05 de julho de 2007
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Beleza

dá pra engolir?

Safra de "cosméticos orais" que prometem efeitos antienvelhecimento é nova mania de consumidores de produtos de beleza, mas médicos afirmam que não há garantia de resultados

Bruno Miranda/Folha Imagem
Vera Callas, 50, que toma diariamente "cosméticos orais"


IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Limpar, hidratar e passar filtro solar. A rotina para manter a beleza da pele já foi simples. Mas, como a indústria cosmética é movida a novidades, uma série de novos produtos foi se somando ao kit básico na prateleira do banheiro. Agora, chegaram à mesa.
No café da manhã, depois de limpar, hidratar etc., a representante comercial Vera Callas, 50, toma dois comprimidos que, acredita, retardam o envelhecimento da pele. "Tenho certeza de que funcionam, ninguém iria brincar com isso. Não sei como estaria minha pele se não tomasse [as pílulas]", avalia.
Como ela, os médicos também não sabem. Apesar de os produtos serem engolidos como eficazes, não há confirmação científica suficiente em relação aos resultados.
Popularmente conhecidas como "cosméticos orais", as novas pílulas oferecem, além dos famosos compostos vitamínicos, substâncias encontradas nos alimentos e em plantas para prometer mais e melhores resultados.
Os efeitos alegados se baseiam, principalmente, nas descobertas sobre as propriedades funcionais de alguns alimentos. "Há evidências científicas para algumas dessas alegações. Mas levá-las até o ponto de convencer o consumidor de que pode melhorar a sua aparência física é puxado demais", afirma Jaime Amaya Farfan, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Licopeno, isoflavona e polifenóis são algumas das substâncias usadas. Encontradas em alimentos como tomate, soja, chá verde e uva, entre outros, são hoje objeto de inúmeros estudos e bastante interesse por produzirem efeitos benéficos à saúde.
"Falar de nutrição, de alimentação saudável, está muito na moda. E há uma demanda muito grande da população por tudo o que prometa rejuvenescimento. O marketing do que chamam 'nutricosméticos' junta a fome com a vontade de comer", diz Davi de Lacerda, dermatologista do Hospital das Clínicas de São Paulo. Para ele, teoricamente essas substâncias podem ter algum efeito na pele, mas não há estudos independentes para comprovar isso -até agora, as pesquisas disponíveis são as realizadas pelos próprios fabricantes.

Sem mágica
Luciana Scattone, membro da Academia Americana de Dermatologia, acredita que há uma febre de consumo por essas pílulas. "É algo que remete à mágica: você toma um comprimido e tem resultados incríveis. Não é bem assim." Em sua experiência de consultório, Scattone diz que alguns pacientes notam resultados, outros não. Por isso, a médica acha que, apesar de "teoricamente interessantes", esses produtos são apenas algo a ser somado aos tratamentos tópicos. "Não são indispensáveis, mas também não têm contra-indicações", diz a dermatologista.
Até agora, não foram reportados efeitos indesejáveis. Porém, o dermatologista Cid Yazigi Sabbag, da Sociedade Brasileira de Laser e do Centro Brasileiro de Psoríase, afirma que algumas precauções devem ser tomadas. "Por exemplo, no caso da isoflavona, que é um fitormônio, como podemos avaliar o risco se não for feita uma dosagem hormonal do paciente?", questiona. Ele também lembra que na formulação da maioria dessas pílulas são incluídas vitaminas lipossolúveis que, em demasia, podem causar hipervitaminose (excesso de vitaminas). "E, se o fígado da pessoa já estiver sobrecarregado, aumenta o risco de ela desenvolver uma hepatite medicamentosa." Sua conclusão: "É melhor pegar o dinheiro que seria usado para comprar o produto e gastar para comer melhor, se divertir, relaxar. Essas coisas certamente farão bem para a pele."
Bem, mas sempre há gente que se alimenta corretamente, tem hábitos saudáveis e evita o estresse, mas não dispensa uma novidade do mercado de beleza. A psicóloga Márcia Vianna, 60, trouxe de uma viagem à Europa um estoque de "cosméticos orais" e adorou os resultados. "Foi um sucesso, o aspecto da minha pele melhorou muito, meu cabelo ficou lindo", afirma. "Acho que, por mais que a alimentação e os cuidados com a saúde sejam bons, a gente nunca faz tudo tão certinho. As pílulas garantem o que faltou."
Para Solange Pistori Teixeira, dermatologista da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), algumas das substâncias desses produtos testadas "in vitro" mostraram mesmo um certo resultado, como o espessamento do colágeno, responsável pela firmeza e pela elasticidade da pele. Mas isso não significa que o efeito será o mesmo nos seres humanos. "Há uma série de fatores que interferem na produção do colágeno, como a herança genética de cada um, a maior exposição ao sol, o hábito de fumar etc. Por isso, não dá para garantir que o efeito será o mesmo para todas as pessoas."
E, mesmo que essas pílulas possam trazer resultados, a cosmiatra e dermatologista Adriana Awada, da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia), acha que elas são difíceis de serem avaliadas. "É tudo a longo prazo, mas muitos pacientes esperam resultados imediatos. Além disso, é uma opção cara. É mais barato ir à feira e comprar bons alimentos frescos", sugere.
Apesar de os argumentos serem repetidos por dermatologistas, nutricionistas e médicos em geral, Awada lembra que há pessoas que ficam loucas se não experimentarem os últimos lançamentos do mercado. Para essas, ela avisa que "não são a salvação e ninguém vai resolver a vida sem fazer esforço de uma hora para a outra". É preciso tomar de duas a três cápsulas por dia por, no mínimo, três meses, para esperar algum efeito, diz Awada.

Fotoproteção
Entre os "cosméticos orais", os produtos que mais despertam o interesse dos dermatologistas são cápsulas com substâncias que poderiam reduzir os danos causados pela radiação solar no DNA das células. "Tudo o que protege do sol tem efeito cosmético em potencial, porque a radiação ultravioleta é um dos mais importantes fatores do envelhecimento precoce da pele", explica o dermatologista Davi de Lacerda. Mas ele acredita que, nesse quesito, ainda não inventaram nada melhor do que os bloqueadores e filtros solares de aplicação tópica.
A bancária Ana Almeida, 52, ouviu falar desses produtos e resolveu testar. "Tomei algumas cápsulas, por curiosidade, mas ainda é pouco para afirmar algo sobre os resultados." Ana conta que se proteger do sol é uma preocupação constante e que não dispensa o uso diário do bloqueador. "Mas, se o produto oral der uma proteção ainda maior, acho vantajoso."
Ana age corretamente em não dispensar o fotoprotetor tópico, mas os dermatologistas afirmam que, ao contrário da bancária, muita gente acredita que as cápsulas podem substituir a proteção convencional. "Alguns chegam a chamar, erroneamente, de fotoprotetor oral. Não é isso e não substitui nenhum filtro", avisa Scattone.
Aliás, um dos grandes problemas dos "cosméticos orais" é justamente o fato de eles não serem exatamente o que parecem. Até porque, segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), cosméticos são apenas os produtos de uso externo. Os produtos orais que estão no mercado foram aprovados na categoria "substância bioativa ou probiótico". Isso significa que a substância utilizada tem alguma propriedade funcional ou de saúde comprovada (por exemplo, o efeito antioxidante do licopeno), mas o fabricante não pode alegar efeitos cosmetológicos, como retardar o aparecimento das rugas, pois não há evidência científica suficiente de que produza esses efeitos.

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as novas pílulas oferecem, além dos conhecidos compostos vitamínicos, substâncias encontradas nos alimentos e em plantas



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