São Paulo, quinta-feira, 05 de julho de 2007
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Neurociência
Suzana Herculano-Houzel


Os segredos do pensamento positivo

Visualizar-se bem, imaginar tudo dando certo, atrair apenas coisas boas... A onda do pensamento positivo que se propaga há algum tempo na literatura de auto-ajuda chegou recentemente a um novo ápice: a proposta de que basta pensar no seu objetivo com muita convicção e você andará sobre a água, enriquecerá rapidamente e até fará com que um colar de diamantes se materialize em seu pescoço.
O sucesso do filme "Quem Somos Nós", que defende que a realidade física do mundo é criada pelo pensamento, abriu as portas -e a mente do público- para os escritores que faturam alto ensinando como alcançar tudo com o pensamento.
Ser otimista e pensar positivamente em nossos objetivos são realmente estratégias altamente eficazes. O otimismo, que é a interpretação favorável dos resultados da vida e de nossas expectativas, é de fato um ótimo pontapé inicial para o bem-estar. O otimismo nos leva à sensação antecipada de sucesso oferecida pelo sistema de recompensa do cérebro ao se visualizar bem-sucedido, uma grande motivação para agirmos. Por isso, o derrotismo não leva a nada: que motivação seu cérebro pode encontrar para fazer o que ele espera que dê errado?
No entanto, por mais que se imagine um colar de diamantes ao redor do pescoço, ele não aparecerá ali sozinho. O cérebro constrói sua representação da realidade do corpo e dos objetos externos a ele e trabalha com essas representações. Nesse sentido, a realidade mental é de fato criada -mas de acordo com uma realidade física que resiste impávida ante os nossos pensamentos. Por isso, os delírios e alucinações são perigosos: como realidades criadas pelo cérebro sem nenhum apoio no mundo real, levam o cérebro a agir de maneira desajustada, incompatível com a realidade do mundo e das outras pessoas.
Portanto, por mais que se pense com otimismo em ganhar dinheiro ou colares de diamantes, eles não chegarão sozinhos pelo correio apenas pela força do seu pensamento. Não basta pensar: é preciso agir sobre o mundo e usar o cérebro para mudar a realidade física por meio de nossas ações.
Se o alerta sobre os limites do pensamento positivo soa pessimista, pense de novo. Uma descoberta importante da neurociência é que receber um prêmio ou dinheiro sem fazer força pode até ser bom, mas não é nada que se compare ao prazer de conquistá-lo à força do nosso próprio suor. O cérebro gosta de ter trabalho e de ser recompensado por isso. Segredo mesmo é fazer para então merecer.

Suzana Herculano-Houzel, neurocientista, é professora da UFRJ e autora dos livros "O Cérebro Nosso de Cada Dia" e "Sexo, Drogas, Rock'n'Roll & Chocolate" (ed. Vieira & Lent).

suzanahh@folhasp.com.br

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Por mais que se pense com otimismo em ganhar dinheiro, ele não chegará sozinho pelo correio



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