São Paulo, quinta-feira, 05 de setembro de 2002
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Excesso de exercício desestabiliza o corpo

Chamada de overtraining, síndrome que atingia somente atletas chega às academias de ginástica e afeta até crianças

ANTONIO ARRUDA
DA REPORTAGEM LOCAL

O sujeito malha, malha, malha e não percebe ganho de massa muscular nem aumento da resistência cardiovascular. Decide então, como manda o senso comum, aumentar a dose de exercícios: dobra a carga dos pesos, corre na esteira uma hora em vez de 30 min e investe em uma nova atividade para incrementar a rotina, como aulas de natação. Eis aí o primeiro -e principal- sinal de que o sujeito está apresentando um quadro de overtraining.
Até cinco anos atrás, essa era uma síndrome característica de atletas profissionais. Agora, alertam médicos do esporte, ela surge nas academias, atingindo alunos viciados em malhação, corredores amadores e até crianças (leia como ela se manifesta entre os pequenos na pág. 8). O mecanismo do overtraining -ou excesso de treinamento- é um círculo vicioso. O primeiro sintoma é a falta de rendimento no exercício, causada por um excesso de treinamento, que, por sua vez, leva ao aumento da prática de atividades físicas. "Ao perceber que não está obtendo o resultado desejado, a pessoa acredita que é porque está malhando pouco e aumenta a dose, quando deveria descansar", explica Fernando Torres, médico do esporte da Unifesp e da Fórmula Academia. Intensificando o treinamento, a pessoa começa a sentir os outros sintomas do overtraining. Eles vão de aumento da pressão arterial e dos batimentos cardíacos a insônia, irritabilidade e queda do sistema imunológico, diz Fernanda Rodrigues Lima, médica do esporte do HC e da academia Bio Ritmo (confira a lista dos sintomas na pág. 8). "A situação é muito preocupante. Com o "boom" de academias, praticar exercício virou uma febre, e as pessoas estão se exercitando mais do que devem; estão pecando pelo excesso", afirma João Gilberto Carazzato, médico do esporte do Hospital das Clínicas de São Paulo. "Seis em cada dez frequentadores de academia tiveram, têm ou terão overtraining", estima o personal trainer Isaías Gonçalves Rodrigues, que mantém uma equipe de 64 professores em oito academias de São Paulo. A biomédica Carolina Rivolta Ackel, da Unifesp, por meio de pesquisa realizada com 413 frequentadores de 17 academias de São Paulo, identificou que a média de tempo passado nas academias é de 11 horas por semana. O Colégio Americano de Medicina Esportiva -autoridade na definição de parâmetros para a prática de atividades físicas- estabelece o máximo de cinco horas de exercícios por semana. Cair na armadilha do overtraining é muito mais fácil hoje do que há dez anos. A pessoa que treina desatinadamente já carrega o estresse do dia-a-dia -no trabalho, em casa ou no trânsito da rua, dormindo mal e nem sempre se alimentando como deveria. Assim, o exercício, que deveria funcionar como válvula de escape, acaba virando um fator a mais de estresse, diz Paulo Zogaib, fisiologista do movimento da Unifesp.

Descanso fortalece músculo
Descansar não é importante só para a mente, mas para os músculos. O descanso deve ser de no mínimo 24 horas após a prática intensa de exercícios, diz Zogaib. E é justamente durante o descanso que a musculatura se fortalece. Não respeitar essa exigência do organismo causa uma pane no sistema nervoso simpático, o qual é ativado quando o corpo precisa reagir a algum estímulo externo. Quando se pratica exercício, o simpático libera adrenalina e noradrenalina, que aumentam a frequência cardíaca e respiratória, por exemplo. Quando a pessoa pára, entra em ação o sistema parassimpático, que vai causar o efeito oposto, de relaxamento e descanso. "A vítima de overtraining mantém uma estimulação persistente do simpático. Com o tempo, mesmo em repouso, o sistema continua ativo, daí os sintomas da síndrome", explica Zogaib.

Versão over use
Às vezes, o problema não é o excesso de exercícios puro e simples, mas a repetição exagerada sobre uma única estrutura do corpo -o chamado over use, espécie de overtraining concentrado em uma parte do corpo. "As aulas de step, com seus exercícios repetitivos, por exemplo, podem causar fratura de estresse, que acontece quando um ponto específico do osso vai perdendo consistência até que sofre uma fratura", explica o personal trainer Clóvis Pereira Júnior, 28. As mulheres tendem a apresentar over use no membros inferiores, e os homens, nos superiores.

Crise de abstinência
Nem sempre é fácil diagnosticar a síndrome, já que os sintomas podem ser muito variados e não costumam ser associados à prática de atividade física. "A pessoa não imagina que está gripada, por exemplo, porque sua imunidade caiu em função do excesso de atividade física", diz Lima. Quando se excede nos exercícios e apresenta pelo menos dois sintomas, a pessoa entra para o grupo de risco, dizem os especialistas.
Para sair de um quadro de overtraining, é preciso suspender a malhação, o que significa deixar de se valer dos benefícios da endorfina, substância liberada durante a prática de exercícios e que causa sensação de prazer.
"A pessoa passa por um estresse psíquico muito forte, por uma de crise de abstinência, ficando irritada, nervosa e ansiosa", diz Carazzato. E as providências devem ser tomadas logo que identificados os primeiros sintomas. "Se detectada no início, com duas semanas de repouso a pessoa pode se recuperar. Se o quadro se torna crônico, pode levar seis meses até poder voltar aos exercícios", explica Ackel. Confira na página 8 teste desenvolvido por médicos da Unifesp, a pedido do Folha Equilíbrio, que ajuda a identificar sinais e sintomas do overtraining.


Colaborou Augusto Pinheiro, free-lance para a Folha


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