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Excesso de exercício desestabiliza o corpo
Chamada de overtraining, síndrome que atingia somente atletas chega às academias de ginástica e afeta até crianças
ANTONIO ARRUDA
DA REPORTAGEM LOCAL
O sujeito malha, malha, malha e não percebe ganho de massa muscular
nem aumento da resistência cardiovascular. Decide então, como manda o senso comum, aumentar a dose de exercícios: dobra a carga dos pesos,
corre na esteira uma hora em vez de 30 min e investe em uma nova atividade
para incrementar a rotina, como aulas de natação. Eis aí o primeiro -e principal- sinal de que o sujeito está apresentando um quadro de overtraining.
Até cinco anos atrás, essa era uma síndrome característica de atletas profissionais. Agora, alertam médicos do esporte,
ela surge nas academias, atingindo alunos
viciados em malhação, corredores amadores e até crianças (leia como ela se manifesta entre os pequenos na pág. 8).
O mecanismo do overtraining -ou excesso de treinamento- é um círculo vicioso. O primeiro sintoma é a falta de rendimento no exercício, causada por um excesso de treinamento, que, por sua vez, leva ao aumento da prática de atividades físicas. "Ao perceber que não está obtendo
o resultado desejado, a pessoa acredita
que é porque está malhando pouco e aumenta a dose, quando deveria descansar", explica Fernando Torres, médico do
esporte da Unifesp e da Fórmula Academia. Intensificando o treinamento, a pessoa começa a sentir os outros sintomas do
overtraining. Eles vão de aumento da
pressão arterial e dos batimentos cardíacos a insônia, irritabilidade e queda do
sistema imunológico, diz Fernanda Rodrigues Lima, médica do esporte do HC e
da academia Bio Ritmo (confira a lista
dos sintomas na pág. 8).
"A situação é muito preocupante. Com
o "boom" de academias, praticar exercício
virou uma febre, e as pessoas estão se
exercitando mais do que devem; estão pecando pelo excesso", afirma João Gilberto
Carazzato, médico do esporte do Hospital
das Clínicas de São Paulo.
"Seis em cada dez frequentadores de
academia tiveram, têm ou terão overtraining", estima o personal trainer Isaías
Gonçalves Rodrigues, que mantém uma
equipe de 64 professores em oito academias de São Paulo.
A biomédica Carolina Rivolta Ackel, da
Unifesp, por meio de pesquisa realizada
com 413 frequentadores de 17 academias
de São Paulo, identificou que a média de
tempo passado nas academias é de 11 horas por semana. O Colégio Americano de
Medicina Esportiva -autoridade na definição de parâmetros para a prática de
atividades físicas- estabelece o máximo
de cinco horas de exercícios por semana.
Cair na armadilha do overtraining é
muito mais fácil hoje do que há dez anos.
A pessoa que treina desatinadamente já
carrega o estresse do dia-a-dia -no trabalho, em casa ou no trânsito da rua, dormindo mal e nem sempre se alimentando
como deveria. Assim, o exercício, que deveria funcionar como válvula de escape,
acaba virando um fator a mais de estresse, diz Paulo Zogaib, fisiologista do movimento da Unifesp.
Descanso fortalece músculo
Descansar não é importante só para a mente,
mas para os músculos. O descanso deve
ser de no mínimo 24 horas após a prática
intensa de exercícios, diz Zogaib. E é justamente durante o descanso que a musculatura se fortalece.
Não respeitar essa exigência do organismo causa uma pane no sistema nervoso
simpático, o qual é ativado quando o corpo precisa reagir a algum estímulo externo. Quando se pratica exercício, o simpático libera adrenalina e noradrenalina,
que aumentam a frequência cardíaca e
respiratória, por exemplo.
Quando a pessoa pára, entra em ação o
sistema parassimpático, que vai causar o
efeito oposto, de relaxamento e descanso.
"A vítima de overtraining mantém uma
estimulação persistente do simpático.
Com o tempo, mesmo em repouso, o sistema continua ativo, daí os sintomas da
síndrome", explica Zogaib.
Versão over use
Às vezes, o problema não é o excesso de exercícios puro e
simples, mas a repetição exagerada sobre
uma única estrutura do corpo -o chamado over use, espécie de overtraining
concentrado em uma parte do corpo. "As
aulas de step, com seus exercícios repetitivos, por exemplo, podem causar fratura de estresse, que acontece quando um
ponto específico do osso vai perdendo
consistência até que sofre uma fratura",
explica o personal trainer Clóvis Pereira
Júnior, 28. As mulheres tendem a apresentar over use no membros inferiores, e
os homens, nos superiores.
Crise de abstinência
Nem sempre é fácil diagnosticar a síndrome, já que os sintomas podem ser muito variados e não costumam ser associados à prática de atividade física. "A pessoa não imagina que
está gripada, por exemplo, porque sua
imunidade caiu em função do excesso de
atividade física", diz Lima. Quando se excede nos exercícios e apresenta pelo menos dois sintomas, a pessoa entra para o
grupo de risco, dizem os especialistas.
Para sair de um quadro de overtraining,
é preciso suspender a malhação, o que
significa deixar de se valer dos benefícios
da endorfina, substância liberada durante
a prática de exercícios e que causa sensação de prazer.
"A pessoa passa por um estresse psíquico muito forte, por uma de crise de abstinência, ficando irritada, nervosa e ansiosa", diz Carazzato. E as providências devem ser tomadas logo que identificados
os primeiros sintomas. "Se detectada no
início, com duas semanas de repouso a
pessoa pode se recuperar. Se o quadro se
torna crônico, pode levar seis meses até
poder voltar aos exercícios", explica Ackel. Confira na página 8 teste desenvolvido por médicos da Unifesp, a pedido do
Folha Equilíbrio, que ajuda a identificar
sinais e sintomas do overtraining.
Colaborou Augusto Pinheiro, free-lance para a
Folha
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