São Paulo, quinta-feira, 05 de outubro de 2000
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Novas técnicas de reprodução assistida dão esperanças a casais com problemas graves de infertilidade, e o futuro promete mais
Quase todo mundo pode ser pai ou mãe hoje

Zulmair Rocha/Folha Imagem
Cláudio Figueiredo, 38, a mulher, 38, Ormezinda, e os trigêmeos do casal, Gabriel, Yasmim e Lucas, que nasceram por meio de uma das mais recentes técnicas de reprodução assistida


DANIELA FALCÃO
EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO

Gabriel, Lucas e Yasmin são trigêmeos de 1 ano com peso e altura adequados para a idade, que fazem muito barulho e divertem os pais quando aprendem palavras novas. Mas a concepção deles não teve nada de comum. A começar pela história do pai. Como acontece com um homem em cada cem, o analista de sistemas carioca Cláudio Figueiredo, 38, era incapaz de produzir espermatozóides. Há dois anos, a medicina não oferecia nenhuma solução para o caso dele, que hoje, pai de três filhos, já pensa em aumentar a prole.
A paulista Rafaela Pinto, 1, também é fruto dos avanços na reprodução assistida. Para a gravidez vingar, após cinco tentativas frustradas, a mãe forneceu seus óvulos para serem "turbinados" com o citoplasma do óvulo de uma doadora jovem (leia nas págs. 12 e 13).
Quando Louise Brown, o primeiro bebê de proveta do mundo nasceu, em 1978, só mulheres com problemas tubários se beneficiavam da reprodução assistida. Hoje, quase todas podem ser mãe, embora o caminho seja árduo e caro. Em 22 anos, as chances de uma mulher com menos de 35 anos de idade engravidar com auxílio médico pularam de menos de 5% para até 50% por tentativa. Aquelas com mais de 40, com dificuldades extras por causa da idade dos óvulos, lucraram ainda mais. Técnicas como a transferência de citoplasma as colocaram quase em condições iguais às das jovens.
Pesquisas em andamento prometem acabar com o maior entrave à gravidez: a não-produção de óvulos devido à idade ou à retirada dos ovários. Pelo menos 20 centros de reprodução estão tentando transformar células do ovário em óvulos maduros, entre eles a clínica do andrologista Roger Abdelmassih, em São Paulo. A meta é retirar partes do tecido ovariano e congelar até a paciente resolver ter filhos. "A técnica beneficiará mulheres que só querem ser mães depois dos 40 ou que têm de se submeter a quimioterapia", diz.
Em março, dois dos cientistas que trabalham com Abdelmassih deram mais um passo para vencer a esterilidade feminina: fabricaram um óvulo a partir da célula somática de uma paciente. Mas para transferir o embrião para o útero é preciso saber como a gravidez evoluirá. "Fizemos parceria com a USP para testar a técnica em animais. Acho que em três anos ela estará disponível", diz o médico. Se as mulheres têm hoje muito mais chances de ser mãe do que há dez anos, os homens praticamente se livraram do drama da infertilidade. Graças à técnica desenvolvida pelo tcheco Jan Tesarik, homens que não possuem espermatozóides podem ter filhos por meio da maturação em laboratório das espermátides -células precursoras dos espermatozóides que não são gametas masculinos completos, mas carregam a carga genética do pai. A descoberta mais importante, entretanto, aconteceu em 92, quando cientistas belgas criaram a Icsi, técnica que injeta o espermatozóide direto no citoplasma do óvulo, solucionando o problema de homens cujo sêmen contém espermatozóides fracos ou sem mobilidade. "Antes da Icsi, para a fertilização in vitro dar certo, o sêmen coletado precisaria ter milhares de espermatozóides. Agora basta um", explica Abdelmassih. A Icsi ajudou também os que possuem espermatozóide apenas nos testículos, e não no sêmen -caso dos vasectomizados. Por meio de punção ou biópsia, os médicos "capturam" alguns espermatozóides e injetam do um a um nos óvulos.

Avanços no laboratório
Os aperfeiçoamentos feitos nos laboratórios foram tão importantes na batalha contra a infertilidade quanto a descoberta da Icsi e do transplante de citoplasma. Medicamentos mais puros, usados para estimular a ovulação da paciente, possibilitaram a coleta de óvulos de melhor qualidade. O desenvolvimento de novos meios de cultura permitiu que os embriões ficassem mais tempo in vitro antes da transferência para o útero, dando aos médicos a oportunidade de selecionar com precisão aqueles com mais chances de resultar em gravidez. E equipamentos introduzidos nos laboratórios aumentaram o controle sobre as variáveis envolvidas, da temperatura e qualidade do ar às pipetas e plaquetas usadas para manipular óvulos e embriões. "Essas mudanças foram decisivas para aumentar as chances de a gravidez dar certo. As novas técnicas são importantes, mas só servem para casos específicos", pondera José Gonçalves Franco Júnior, coordenador da clínica Sinhá Junqueira, em Ribeirão Preto (SP), uma das principais do país.

A vontade de Deus
Apesar de a chance de um casal estéril gerar filhos ter aumentado dez vezes de 78 para cá, está longe o dia em que qualquer casal poderá ter filhos biológicos. Há técnicas para quase todos os problemas, mas elas não garantem a solução de todos os casos.
"É muito difícil a mulher entender por que as chances de sucesso são pequenas. Quando a gente faz o tratamento, tem certeza de que vai resolver o problema. Uma vez achei que estava grávida, contei para todo mundo. Saber que deu errado e ter de lidar com a frustração foi horrível", afirma Lúcia Pinto.
"É sempre um jogo de sorte. Não dá para entender por que em uma tentativa os três embriões vingam e na outra, nenhum. Acho que é um pouco a vontade de Deus", diz Valquíria Ferro, 33, professora de inglês que só conseguiu ser mãe em 99, após cinco tentativas frustradas.



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