São Paulo, quinta-feira, 05 de outubro de 2006
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saúde

Catapora!

A doença, como outras infecciosas, aproveita o clima e o aumento de contatos entre as pessoas para se disseminar catapora!

CLARISSA PASSOS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

F ebre, mal-estar, perda de apetite, dor de cabeça. Muitas doenças começam assim, mas, se pequenas manchas vermelhas -logo transformadas em pequenas bolhas contendo um líquido claro-, aparecerem por todo o corpo, é bem provável que o problema seja varicela, conhecida popularmente como catapora. Entre o final do inverno e o início da primavera, o número de casos da doença, transmissível por secreção respiratória, costuma aumentar sensivelmente.
Segundo o patologista Heitor Franco de Andrade Jr., do Instituto de Medicina Tropical da USP (Universidade de São Paulo), isso ocorre porque as pessoas tendem a ter mais contato na primavera. "No inverno, costuma-se passar mais tempo dentro de casa", diz. "Quando o clima fica mais ameno, é comum que se circule mais, criando uma exposição maior a pessoas suscetíveis, principalmente nas escolas."
Os números do contágio não são exatos, já que o Brasil não conta com dados oficiais por não incluir a varicela entre as doenças de notificação compulsória. "No Estado de São Paulo, o número de óbitos, geralmente em crianças menores de quatro anos, tem caído: foram 60 em 2003 e 30 em 2005", informa o patologista.
O causador da catapora é um vírus chamado varicela-zóster. Ele pode ser transmitido por secreção respiratória -gotículas de saliva, espirro e tosse- ou por contato direto com o líquido das vesículas (as bolhinhas). Locais fechados, com grande circulação de pessoas, são perfeitos para a disseminação. O período de incubação da doença vai de 10 a 21 dias.
As defesas naturais do corpo se encarregam de controlar a doença, mas não são capazes de eliminar o vírus, que permanece latente pelo resto da vida.

Adultos
Ao contrário da crença popular, não são apenas as crianças que estão sujeitas à catapora. Todas as pessoas que ainda não tiveram a doença ou não foram vacinadas são suscetíveis. Além disso, adolescentes e adultos correm mais riscos de complicações. A taxa de letalidade da doença, estimada em 2 para 100 mil casos em crianças saudáveis, fica de 15 a 40 vezes maior em adultos.
"Todas as pessoas com suspeita de varicela devem ser avaliadas por um médico tão logo seja possível", alerta Luciana Pedro, infectologista do Cives (Centro de Informação em Saúde para Viajantes), da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). "A consulta, além de possibilitar a confirmação ou não da doença, permite avaliar a necessidade de tratamento específico com antivirais, esclarecer quanto às medidas para evitar complicações e orientar para o reconhecimento dos indícios de gravidade que exijam reavaliação médica."
Para controlar a febre, não deve ser utilizado o ácido acetilsalicílico, devido ao risco de ocorrência da Síndrome de Reye (veja perguntas na página ao lado).
O tratamento com antivirais costuma ser indicado quando há mais risco de evolução grave, caso de pessoas com imunodeficiência (como portadores de HIV ou de leucemia). Na maioria dos casos, esse tratamento é desnecessário para crianças saudáveis entre 1 e 12 anos sem indícios de gravidade, a não ser que elas tenham adquirido a doença de alguém que more na mesma casa. Tal contágio, chamado de intradomiciliar, guarda maior risco de evolução grave.

Vacina
Como a catapora é altamente transmissível, a maioria dos adultos já teve a doença na infância e deixou de ser suscetível - uma vez que o corpo adquire imunidade quando a varicela é contraída. Por outro lado, a fácil transmissão e a gravidade potencial da doença, especialmente em adultos, tornam a vacina, disponível no Brasil apenas em clínicas particulares, uma alternativa para quem tem dinheiro no bolso e pretende estar protegido.
Desenvolvida na década de 70, no Japão, a vacina contra varicela é feita a partir do vírus varicela-zóster atenuado.
Ela também é útil para evitar ou atenuar a infecção em indivíduos não imunes que tenham entrado em contato com uma pessoa com varicela, desde que aplicada em até 72 horas após a exposição.
Os eventos adversos são pouco freqüentes e não costumam acarretar complicações. Pode haver febre e, entre o 5º e o 12º dia após a vacinação, um pequeno número de lesões semelhantes às da varicela.
A vacina, no entanto, é contra-indicada para gestantes, crianças menores de um ano e pessoas com reações alérgicas aos componentes ou com alguma imunodeficiência. Para esses grupos, há a opção da imunoglobina específica para varicela mas sua aplicação depende de encaminhamento médico.
Apesar de vacinado, Mateus Kogachi Cortez, 4, ainda enfrentou as bolinhas. "Apareceu uma vesícula no pescoço e ele não parava de coçar", lembra a avó do menino, Suely Maria Cortez. "A professora da escola tirou o Mateus da sala e já telefonou pedindo que fôssemos buscá-lo, desconfiada de que fosse catapora."
O efeito da vacina, no caso de Mateus, foi o mesmo que acontece com cerca de 7% das pessoas vacinadas, atenuando a manifestação da doença. Sua recuperação foi rápida e não surgiram muitas vesículas, ao contrário do caso da tia do garoto. "Minha filha contraiu quando tinha 16 anos e foi bem grave", relembra Suely.

Complicações
Para crianças saudáveis, a varicela oferece pouco risco de complicações. As mais comuns são infecções bacterianas contraídas por causa das lesões na pele. Por isso é importante, embora difícil, convencer os pequenos a não coçar as feridas.
"Como as lesões da varicela causam intenso prurido, as unhas devem ser cortadas para evitar traumatismo durante o ato de coçar, reduzindo assim o risco de infecção bacteriana na pele", recomenda Luciana Pedro. "Quando ocorrem infecções bacterianas, um médico deve ser procurado para indicação de tratamento adequado."
Já entre os adultos, a gravidade potencial da doença é maior. A pneumonite, comprometimento pulmonar causado pelo vírus varicela-zóster, é mais comum, e a encefalite, que acomete cerca de 4 em cada 10 mil infectados, tem letalidade de até 37%.
A ocorrência é rara, mas gestantes no primeiro trimestre podem ter o feto malformado e, quando acometidas pela doença pouco antes ou pouco depois do parto, provavelmente transmitirão ao bebê a varicela sem passar também os anticorpos, que ainda estão em formação em seu próprio organismo. Além disso, o recém-nascido pode vir a desenvolver doença disseminada, com até 30% de letalidade.
Outro problema é a reativação do vírus. "Quando o corpo derrota o varicela-zóster, ele se instala num nervo e vai "dormir'", explica Andrade Jr. "Anos depois, caso acorde, pode causar dores fortes de difícil diagnóstico." Após a fase da dor, o varicela-zóster se manifesta com a ocorrência de herpes -geralmente bolhas pequenas com base avermelhada- no trajeto do nervo onde o vírus se instalou. Os sintomas dessa complicação também são tratáveis, especialmente para aliviar a dor.


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