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Outras idéias
Michael Kepp
Amigas do peito
Homens brasileiros
que têm amigas do
peito geralmente
enfrentam parceiras que suspeitam que eles não
encontraram amigas, e sim peitos. Mulheres brasileiras que
têm amigos do sexo oposto têm
parceiros que cultivam a mesma desconfiança. Quanto mais
machista a sociedade, mais esses preconceitos proliferam.
Nos EUA, uma cultura menos machista, amizades heterossexuais são comuns há décadas e base de séries de TV, de
"Seinfeld" a "Friends". No Brasil, essas amizades são raras e,
nas novelas, inexistentes, a não
ser que um dos amigos seja gay.
Nos dois países, valorizo minhas amigas do peito porque
são transparentes em relação
aos seus sentimentos, ao contrário da maioria dos homens.
Além disso, os dois sexos têm
pontos de vista tão distantes
que parecem pertencer a espécies diferentes. Daí, ter um
amigo do sexo oposto proporciona uma visão de como a outra metade do planeta pensa.
Minhas amizades com mulheres não se tornam românticas porque sua química não é
sexual. O ditado "não há amizade entre homem e mulher se
ela for bonita, só se ela for muito feia" é um mito machista.
Os maridos de minhas amigas não desconfiam de nossa
camaradagem porque nós não
fazemos nada para levantar
suspeitas. Por exemplo, saímos
para almoçar, e não para jantar.
Minhas amigas não ameaçam minha mulher porque ela
as conhece. Ficar amigo de uma
mulher que minha mulher não
conhece seria mais complicado. Dizer a ela que eu e minha
nova amiga nos damos superbem e que não rola nada seria
tão tranqüilizador quanto mostrar uma camisinha fechada na
carteira. E minha nova amizade
poderia encorajá-la a almoçar
com amigos que não conheço.
Com meus amigos do peito,
eu tenho uma intimidade diferente. No passado, fortalecemos nossos laços com rituais
que eu não poderia praticar
com mulheres, como ir a bares
paquerar e, depois de umas cervejas, aliviar as bexigas juntos.
Mesmo hoje, nossa cumplicidade é marcada por comportamentos que apenas membros
do mesmo sexo compartilham.
Uma vez, um técnico me preparou para um raio-X intestinal, bombeando ar para o meu
cólon, já esvaziado por uma lavagem intestinal. Só que ele
não me avisou que o ar iria lentamente vazar. O vazamento,
com um som característico, começou depois que eu e um amigo pegamos um táxi. E o taxista
se recusava a acreditar que meu
suspiro não ofenderia seu olfato. Enquanto eu tentava tranqüilizá-lo, as gargalhadas do
meu amigo encheram o táxi,
aliviando a tensão. Se a amiga
fosse mulher, o carro se encheria de constrangimento.
MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 24 anos no Brasil, é autor do livro de
crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e
Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)
www.michaelkepp.com.br
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