São Paulo, quinta-feira, 06 de julho de 2006
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Outras idéias

Michael Kepp

Amigas do peito

Homens brasileiros que têm amigas do peito geralmente enfrentam parceiras que suspeitam que eles não encontraram amigas, e sim peitos. Mulheres brasileiras que têm amigos do sexo oposto têm parceiros que cultivam a mesma desconfiança. Quanto mais machista a sociedade, mais esses preconceitos proliferam.
Nos EUA, uma cultura menos machista, amizades heterossexuais são comuns há décadas e base de séries de TV, de "Seinfeld" a "Friends". No Brasil, essas amizades são raras e, nas novelas, inexistentes, a não ser que um dos amigos seja gay.
Nos dois países, valorizo minhas amigas do peito porque são transparentes em relação aos seus sentimentos, ao contrário da maioria dos homens. Além disso, os dois sexos têm pontos de vista tão distantes que parecem pertencer a espécies diferentes. Daí, ter um amigo do sexo oposto proporciona uma visão de como a outra metade do planeta pensa.
Minhas amizades com mulheres não se tornam românticas porque sua química não é sexual. O ditado "não há amizade entre homem e mulher se ela for bonita, só se ela for muito feia" é um mito machista. Os maridos de minhas amigas não desconfiam de nossa camaradagem porque nós não fazemos nada para levantar suspeitas. Por exemplo, saímos para almoçar, e não para jantar.
Minhas amigas não ameaçam minha mulher porque ela as conhece. Ficar amigo de uma mulher que minha mulher não conhece seria mais complicado. Dizer a ela que eu e minha nova amiga nos damos superbem e que não rola nada seria tão tranqüilizador quanto mostrar uma camisinha fechada na carteira. E minha nova amizade poderia encorajá-la a almoçar com amigos que não conheço.
Com meus amigos do peito, eu tenho uma intimidade diferente. No passado, fortalecemos nossos laços com rituais que eu não poderia praticar com mulheres, como ir a bares paquerar e, depois de umas cervejas, aliviar as bexigas juntos. Mesmo hoje, nossa cumplicidade é marcada por comportamentos que apenas membros do mesmo sexo compartilham.
Uma vez, um técnico me preparou para um raio-X intestinal, bombeando ar para o meu cólon, já esvaziado por uma lavagem intestinal. Só que ele não me avisou que o ar iria lentamente vazar. O vazamento, com um som característico, começou depois que eu e um amigo pegamos um táxi. E o taxista se recusava a acreditar que meu suspiro não ofenderia seu olfato. Enquanto eu tentava tranqüilizá-lo, as gargalhadas do meu amigo encheram o táxi, aliviando a tensão. Se a amiga fosse mulher, o carro se encheria de constrangimento.


MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 24 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)
www.michaelkepp.com.br


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