São Paulo, quinta-feira, 06 de julho de 2006
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Neurociência

Cérebro e violência

Há quem coloque toda a culpa na sociedade, que os negligencia e não lhes dá oportunidades. Há quem discorde e defenda que o problema é essencialmente maus genes, "sangue ruim".
O que causa o comportamento violento desses indivíduos que levam medo e sofrimento a tantas famílias? A neurociência tem outra opinião: uma combinação infeliz de predisposição genética e maus-tratos, que modifica a maneira como o cérebro responde a ameaças.
Tanto natureza quanto sociedade alteram o comportamento, e hoje se entende a razão: ambas afetam o cérebro. Por um lado, a genética de cada pessoa afeta tanto a estrutura do cérebro quanto sua química, e, por exemplo, o excesso hereditário de serotonina nas regiões cerebrais que respondem a ameaças está associado a respostas incontidas e exageradas, violentas. Por outro lado, estresse, maus-tratos e violência física e moral na infância, antíteses do carinho e de tudo o que ele representa e muda no sistema nervoso, também deixam suas marcas nos mesmos sistemas cerebrais de alarme e respostas a ameaças e, pelas mesmas razões, favorecem arroubos de violência desmedida.
Em termos evolutivos, faz sentido. Se você vive em um mundo cão, onde a norma é achacar, gritar e bater, então achacar, gritar e bater de volta se tornam uma estratégia razoável, implementada direta e automaticamente pelo cérebro, quer dizer, sem que alguém precise escolher ser violento. Curiosamente, a estratégia contrária, de tornar-se apático e invisível, também é "interessante" e talvez explique por que a depressão é uma resposta tão comum aos maus-tratos sociais.
No entanto, nem genética nem sociedade são 100% determinantes. O risco genético se manifesta como violência ou depressão se ocorre com um histórico de submissão a maus-tratos e violência. Da mesma forma, maus-tratos levam a violência e depressão principalmente aqueles indivíduos com algum risco genético.
E aí está o problema maior. Vítimas de uma conjunção infeliz, essas pessoas não só transmitirão a seus filhos seu risco genético, como terão grandes chances de tratá-los com violência, criando para eles a mesma conjunção desfavorável que, assim, se autopropaga. Violência gera violência. Mas isso não é inevitável.
Suporte social, paz e carinho agem no cérebro e interrompem o círculo vicioso mesmo se a genética é contrária. A combinação é explosiva, mas genética e sociedade, sozinhas, não são garantia de nada. Ainda bem.


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (ed. Vieira & Lent) e de "O Cérebro em Transformação" (ed. Objetiva)
suzanahh@folhasp.com.br


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