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Neurociência
Cérebro e violência
Há quem coloque
toda a culpa na
sociedade, que os
negligencia e não
lhes dá oportunidades. Há
quem discorde e defenda que
o problema é essencialmente
maus genes, "sangue ruim".
O que causa o comportamento violento desses indivíduos que levam medo e sofrimento a tantas famílias? A
neurociência tem outra opinião: uma combinação infeliz de predisposição genética
e maus-tratos, que modifica
a maneira como o cérebro
responde a ameaças.
Tanto natureza quanto sociedade alteram o comportamento, e hoje se entende a
razão: ambas afetam o cérebro. Por um lado, a genética
de cada pessoa afeta tanto a
estrutura do cérebro quanto
sua química, e, por exemplo,
o excesso hereditário de serotonina nas regiões cerebrais que respondem a
ameaças está associado a respostas incontidas e exageradas, violentas. Por outro lado, estresse, maus-tratos e
violência física e moral na infância, antíteses do carinho e
de tudo o que ele representa
e muda no sistema nervoso,
também deixam suas marcas
nos mesmos sistemas cerebrais de alarme e respostas a
ameaças e, pelas mesmas razões, favorecem arroubos de
violência desmedida.
Em termos evolutivos, faz
sentido. Se você vive em um
mundo cão, onde a norma é
achacar, gritar e bater, então
achacar, gritar e bater de volta se tornam uma estratégia
razoável, implementada direta e automaticamente pelo
cérebro, quer dizer, sem que
alguém precise escolher ser
violento. Curiosamente, a estratégia contrária, de tornar-se apático e invisível, também é "interessante" e talvez
explique por que a depressão
é uma resposta tão comum
aos maus-tratos sociais.
No entanto, nem genética
nem sociedade são 100% determinantes. O risco genético se manifesta como violência ou depressão se ocorre
com um histórico de submissão a maus-tratos e violência. Da mesma forma, maus-tratos levam a violência e depressão principalmente
aqueles indivíduos com algum risco genético.
E aí está o problema
maior. Vítimas de uma conjunção infeliz, essas pessoas
não só transmitirão a seus filhos seu risco genético, como
terão grandes chances de
tratá-los com violência,
criando para eles a mesma
conjunção desfavorável que,
assim, se autopropaga. Violência gera violência.
Mas isso não é inevitável.
Suporte social, paz e carinho
agem no cérebro e interrompem o círculo vicioso mesmo
se a genética é contrária. A
combinação é explosiva, mas
genética e sociedade, sozinhas, não são garantia de nada. Ainda bem.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "O
Cérebro Nosso de Cada Dia" (ed. Vieira &
Lent) e de "O Cérebro em Transformação"
(ed. Objetiva)
suzanahh@folhasp.com.br
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