São Paulo, terça-feira, 06 de julho de 2010
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Loucura, a lucidez contemporânea

MIRIAM CHNAIDERMAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

A figura do louco sempre esteve presente no cinema. A necessidade de representar o lado obscuro de nossa subjetividade move a arte.
Cada vez mais, a própria loucura é posta em cena. Ela vem nomeando algo de nossa subjetividade contemporânea, essa vertiginosa sensação de transformações alucinantes, onde surge uma nova temporalidade.
É como se nossas identidades não nos pertencessem. Violência e loucura constituem o eixo narrativo de filmes onde canibais, serial killers e monstros do além exercem seu maléfico poder. A justiça possível é a da vingança de mentes assassinas.
Alguns psiquiatras usam o cinema como forma de fazer com que estudantes sejam apresentados à psicopatologia. Assim, personagens substituem a antiga demonstração dos quadros psiquiátricos através de pacientes -situações constrangedoras e eticamente discutíveis.
Agora, o cinema permitiria o ensino da psiquiatria. É o caso de livro de J. Landeira-Fernandez e Elie Cheniaux. São os filmes ilustrando os casos clínicos.
Isso coloca sérias questões, pois os filmes são de ficção: estão autorizados a fabricar formas de loucura e quadros clínicos inusitados. Qualquer cineasta, ao encenar a loucura, não está preocupado com a psicopatologia enquanto ramo da medicina. A loucura nos filmes tem significados outros: a dor, a impossibilidade de determinar os próprios atos, formas inusitadas de vida.
Essa utilização do cinema no ensino da psiquiatria acontece junto com a necessidade de criar novas categorias de doença mental para dar conta do mundo contemporâneo.
A síndrome de pânico, o distúrbio de atenção, a síndrome de estresse pós-traumático são alguns exemplos. Há, cada vez mais, a medicalização de nosso dia a dia, com pílulas da felicidade para tudo. O recurso ao cinema em cursos de psiquiatria, bem como a presença cada vez maior de quadros psicopatológicos nas telas são sinais do quanto nossa linguagem não está dando conta do mundo em que vivemos.
Parece que a loucura sempre foi o lugar da lucidez: só aí é possível saber a que ponto chegamos em nossa impossibilidade de voltar a sonhar com um mundo melhor.

MIRIAM CHNAIDERMAN é psicanalista, documentarista e ensaísta


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