|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Loucura, a lucidez contemporânea
MIRIAM CHNAIDERMAN
ESPECIAL PARA A FOLHA
A figura do louco sempre
esteve presente no cinema. A
necessidade de representar o
lado obscuro de nossa subjetividade move a arte.
Cada vez mais, a própria
loucura é posta em cena. Ela
vem nomeando algo de nossa subjetividade contemporânea, essa vertiginosa sensação de transformações alucinantes, onde surge uma
nova temporalidade.
É como se nossas identidades não nos pertencessem.
Violência e loucura constituem o eixo narrativo de filmes onde canibais, serial killers e monstros do além
exercem seu maléfico poder.
A justiça possível é a da vingança de mentes assassinas.
Alguns psiquiatras usam o
cinema como forma de fazer
com que estudantes sejam
apresentados à psicopatologia. Assim, personagens
substituem a antiga demonstração dos quadros psiquiátricos através de pacientes
-situações constrangedoras
e eticamente discutíveis.
Agora, o cinema permitiria
o ensino da psiquiatria. É o
caso de livro de J. Landeira-Fernandez e Elie Cheniaux.
São os filmes ilustrando os
casos clínicos.
Isso coloca sérias questões, pois os filmes são de ficção: estão autorizados a fabricar formas de loucura e
quadros clínicos inusitados.
Qualquer cineasta, ao encenar a loucura, não está
preocupado com a psicopatologia enquanto ramo da
medicina. A loucura nos filmes tem significados outros:
a dor, a impossibilidade de
determinar os próprios atos,
formas inusitadas de vida.
Essa utilização do cinema
no ensino da psiquiatria
acontece junto com a necessidade de criar novas categorias de doença mental para
dar conta do mundo contemporâneo.
A síndrome de pânico, o
distúrbio de atenção, a síndrome de estresse pós-traumático são alguns exemplos.
Há, cada vez mais, a medicalização de nosso dia a dia,
com pílulas da felicidade para tudo. O recurso ao cinema
em cursos de psiquiatria,
bem como a presença cada
vez maior de quadros psicopatológicos nas telas são sinais do quanto nossa linguagem não está dando conta do
mundo em que vivemos.
Parece que a loucura sempre foi o lugar da lucidez: só
aí é possível saber a que ponto chegamos em nossa impossibilidade de voltar a sonhar com um mundo melhor.
MIRIAM CHNAIDERMAN é psicanalista, documentarista e ensaísta
Texto Anterior: Esse filme dá uma vida Próximo Texto: Transtornos Índice
|