|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Esse filme dá uma vida
A loucura das telas virou objeto de estudo e terapia; veja transtornos clássicos do cinema e escolha seu tipo
JULLIANE SILVEIRA
DE SÃO PAULO
A loucura é a expressão
em grande escala de características mentais existentes
em todo ser humano. E a tela
de cinema parece exacerbar
ainda mais o que já é exagero
por natureza.
O interesse coletivo é compreensível: como existem
mais de 150 tipos diferentes
de doenças mentais, é provável que a maiora das pessoas
tenha um conhecido com
problemas ou sofra de um.
Por isso, abordar os transtornos da mente em filmes favorece muita gente: desde o
cineasta, que atrai mais público, até o espectador, que
se envolve com o roteiro.
Mais recentemente, psiquiatras, psicólogos e pacientes buscam entender melhor os distúrbios mentais
com a ajuda do cinema.
É o que propõe a cinematerapia, uma das mais novas
ferramentas usadas por especialistas para ajudar o paciente em seu processo de
autoconhecimento.
No Brasil, alguns psiquiatras e psicólogos já recorrem
a histórias de transtornos
mentais como ponto de partida para que o doente ou algum familiar compreenda
melhor o problema.
Para quem sofre com a dificuldade de se relacionar ou
de se comunicar, por exemplo, alguns personagens podem ainda servir de modelo.
Nesse caso, o filme nem
precisa abordar uma doença específica ou o problema do
paciente.
Ele assiste à história e,
com o terapeuta, tenta alterar seu comportamento
usando soluções apresentadas pelos personagens.
"Ajuda na sessão, para o
paciente expressar melhor as
próprias emoções. Também
pode ajudar em casa, quando há problemas de diálogo
entre os familiares, por
exemplo", explica o psiquiatra Vitor Hugo Sambati Oliva,
que pesquisa cinema e psiquiatria na Faculdade de Medicina da USP.
Oliva publicará na próxima edição da "Revista de Psiquiatria Clínica" o primeiro
artigo brasileiro sobre estudos já realizados com a cinematerapia. Os resultados encontrados são positivos.
Conectar os estudos da
mente com a abordagem do
cinema é tendência no país.
Em diversas regiões do Brasil, ocorrem palestras e outras formas de discussão que
reúnem filmes, cineastas e
algum médico ou psicólogo.
O Instituto de Psiquiatria
da USP, por exemplo, planeja para o segundo semestre
mostras de filmes para leigos, para abordar problemas
mentais. A primeira, ainda
sem data definida, pretende
discutir o autismo.
Para Oliva, o interesse não
vem só de doentes e seus familiares. "A arte instiga a
pessoa a uma reflexão e a
ajuda a se conhecer melhor,
independentemente de ter
um transtorno mental."
LOUCA FICÇÃO
O livro "Cinema e Loucura" (ed. Artmed; R$ 79) foi
lançado em junho no Brasil.
A ideia é usar a produção cinematográfica nacional e estrangeira para ajudar leigos e
especialistas a compreender
melhor as manifestações dos
transtornos mentais.
A publicação reúne informações sobre mais de 180 filmes, analisados do ponto de
vista da psicologia.
Os personagens foram
avaliados pelo psiquiatra
Elie Cheniaux, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, e pelo psicólogo J. Landeira-Fernandez, diretor do
núcleo de neuropsicologia
clínica e experimental da
PUC do Rio de Janeiro.
Há análises de personagens emblemáticos, como os
do clássico "Um Estranho no
Ninho". Filmes mais inusitados também estão presentes.
Da animação "Procurando
Nemo", por exemplo, é escolhida a personagem Dory,
que sofre de amnésia.
Os autores apontam o diagnóstico dos personagens,
com explicação detalhada
dos sintomas de cada distúrbio encontrado.
"Não é por acaso que existem tantos filmes com transtornos mentais. O louco torna o filme mais interessante.
Ao mesmo tempo que atrai,
há aquele medo de enlouquecer ou de ser atingido por
um louco incontrolável",
analisa Cheniaux.
O uso de filmes como referências para estudo também
tem se tornado cada vez mais
frequente.
Universitários buscam discutir em sala de aula o perfil
dos falsos pacientes para entender melhor os transtornos. Há alguns anos, a "Revista Internacional de Psicanálise" inclui a análise de um
filme em cada publicação.
"Dá para mostrar também
como alguns quadros psicopatológicos relatados no cinema não convergem com a
realidade. Muitas vezes é
mostrado um sujeito maluco,
agressivo. Em muitos casos,
o cinema tenta passar uma
imagem errada do senso comum", argumenta Landeira-Fernandez.
FALSOS PROBLEMAS
O uso do imaginário coletivo para montar os personagens também pode estimular
estereótipos ruins dos transtornos mentais.
"Se você pega os "serial killers", vê que são parte de um
cinema industrial, que usa
esses monstros para vender.
A loucura aparece para assustar mesmo, para reforçar
medos", analisa o psicanalista Sérgio Telles, coordenador
do grupo de psicanálise e
cultura do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo.
No livro brasileiro, esses
personagens estão no capítulo chamado de "Loucuras
mal resolvidas" -com transtornos inventados para criar
um enredo mais interessante. É o que ocorre com "Clube
da Luta" e "12 Macacos".
Mas ninguém quer cobrar
do cinema uma verossimilhança que não lhe cabe.
"Os filmes prestam um excelente serviço de entrenenimento, e a gente pega carona
nisso como ferramenta de estudo", pondera Fernandez.
Para ele, os filmes não
conseguiriam se sustentar
somente com transtornos
reais. "A realidade do distúrbio mental é crua, não tem
nada de legal. Mas é um dos
ingredientes mais usados
porque supreende, sai do padrão", acrescenta.
Texto Anterior: Corrida - Rodolfo Lucena: Jogador de futebol não corre nada Próximo Texto: Loucura, a lucidez contemporânea Índice
|