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NEUROCIÊNCIA
Suzana Herculano-Houzel
Sobre ver sons e cheirar músicas
Normal não é, no
sentido estatístico
da palavra. Mas
também não é um
problema: apenas uma variação. E, considerando o modo
como os sentidos funcionam,
nem é de todo inesperado
que algumas pessoas experimentem um único estímulo
a um único sentido de mais
de uma maneira, interpretando o que entra pelas orelhas como sons e também
gostos, o que chega à língua
como sabor e também cor ou
o que toca a pele como formas e também sons.
Essas são as pessoas sinestetas, proprietárias de um
cérebro que tem sua maneira
própria de processar informações dos sentidos.
Nas demais, cada órgão
dos sentidos só consegue ativar uma única região do córtex cerebral, a parte de fora
do cérebro. De fato, o que
torna visual o córtex visual é
o acionamento de seus neurônios por estímulos que
chegam aos olhos, e não pelos que chegam à orelha ou
ao nariz. Da mesma forma, o
córtex auditivo é auditivo
porque é ativado por estímulos à cóclea, e não aos olhos.
Se, no entanto, alguma
modificação (de origem ainda desconhecida, mas provavelmente genética) faz com
que estímulos de um tipo levem à ativação de mais de um
córtex sensorial, o resultado
é a pluralidade sensorial:
duas ou mais sensações provocadas por um mesmo estímulo. Segundo estimativas
conservadoras, cerca de 1 a
cada 2.000 pessoas vivem a
vida dessa maneira sensorialmente rica, que de doença não tem nada, pois não
atrapalha nem reduz a qualidade de vida.
Talvez a sinestesia seja
ainda mais comum, pois é
compreensível que muitos
sinestetas aprendam a não
comentar que "o interfone
da sua casa tem um som vermelho vivo", que "este frango
está pontiagudo na medida
certa" ou que "a soma de três
mais quatro dá amarelo".
Excentricidade? Alucinações? De modo algum. Para o
sinesteta, a experiência sensorial dupla ou tripla é perfeitamente real, involuntária
e inevitavelmente associada
a certos estímulos aos sentidos -ao contrário das alucinações, causadas por ativação interna do cérebro de
maneira independente do
que acontece do lado de fora.
Cada caso de sinestesia é
único: embora todos concordem que bananas são amarelas e violinos são estridentes,
cada sinesteta tem seus sentidos adicionais acionados a
seu modo.
A cor do som não é, portanto, uma propriedade intrínseca do som. O que faz
pensar: por que o vermelho
é... vermelho? Todos concordamos sobre qual comprimento de onda chamar assim. Mas se o meu vermelho
é igual ao seu, nunca vamos
saber.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora do livro
"Fique de Bem com o Seu Cérebro" (ed. Sextante) e do blog "A Neurocientista de Plantão" ( www.suzanaherculanohouzel.com )
suzanahh@gmail.com
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