São Paulo, quinta-feira, 06 de novembro de 2008
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OUTRAS IDÉIAS

Wilson Jacob Filho

Medos inexplicáveis


[...] TODOS CONHECEM ALGUÉM QUE NÃO TOMOU OS MEDICAMENTOS NECESSÁRIOS POR MEDO DO QUE LEU NA BULA

Quando menos esperamos, surge um bom motivo para reflexão. Na tentativa de entender o porquê de uma atitude, a meu ver incompreensível, obtive a única resposta que poderia me deixar ainda mais confuso: "Tenho medo".
"Medo de quê?", voltei a perguntar, tentando me reorganizar. "Não sei. Só sei que tenho medo". Atônito, fiz algumas ponderações que me permitiram encerrar momentaneamente o assunto, na esperança de encontrar uma maneira de entender o que existia por trás daquela resposta inexplicável.
Como todos, convivo diariamente com inúmeros medos, pessoais ou coletivos. Profissionalmente, encontro-o em todas as interações com os clientes, pois o medo é, muitas vezes, o maior obstáculo a ser vencido por quem precisa lutar contra suas doenças.
Seja decorrente da falta de informação sobre as possíveis conseqüências destas enfermidades, seja pela grande diversidade de detalhes aos quais teve acesso pelas mais variadas vias, quem precisa decidir-se a combater o mal que lhe aflige muitas vezes reluta e desiste, o que costuma acarretar comprometimentos irreversíveis.
Todos conhecem ao menos uma pessoa que não tomou os medicamentos necessários por medo do que leu na bula ou se escusou de fazer o procedimento indicado porque alguém lhe disse que seria perigoso. Evidentemente, uma decisão como esta nunca poderia ser tomada sem o apoio do conhecimento profissional. Não há como comparar riscos e benefícios sem conhecê-los bem.
No jargão esportivo, profetiza-se que "quem tem medo de perder não tem coragem para ganhar". Embora seja bem didático quando evidencia o poder imobilizante do medo, este ditado induz ao erro, porém, quando propõe que o sentimento contrário ao medo é a coragem ou a ousadia. O oposto do medo é a fé.
Não me refiro, exclusivamente, às convicções religiosas, mas, de maneira mais ampla, também à fé que temos em nós mesmos, nos outros seres humanos, na força da natureza e nas ciências que fomos capazes de desenvolver e aplicar em prol dos homens e do mundo em que vivemos.
Não há como crer no futuro sem ter fé. Mais do que isso, é imprescindível que esse sentimento seja aprimorado com o tempo, pois o envelhecimento permeado de medos elimina a possibilidade de conviver bem com a longevidade.
Voltando ao meu interlocutor inicial, espero sinceramente que tenha mais curiosidade quanto às origens dos seus medos e que se esmere, desde já, na capacidade de acreditar nas suas respostas.
O medo sem explicação assemelha-se a uma luz vermelha piscando no painel de controle, da qual não conhecemos o significado. Em situação assim, qualquer atitude, inclusive nenhuma, pode ser fatal.
O entendimento das razões de cada medo aliado à fé de que possam ser minimizadas ou superadas nos permitirão aproveitar melhor o caminho em cada etapa de nossas vidas.


WILSON JACOB FILHO , professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de "Atividade Física e Envelhecimento Saudável" (ed. Atheneu)

wiljac@usp.br

Leia na próxima semana a coluna de Michael Kepp


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