|
Próximo Texto | Índice
Fora do controle
Entenda o que causa os ataques
de raiva nas crianças e a melhor
forma de contornar a situação
Karime Xavier/Folha Imagem
| Gabriel Kenta, 3, em momento de escândalo |
JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Ele chora, se descabela,
bate o pé, se joga no
chão. Ninguém está
livre de presenciar um
chilique infantil -nem a repórter,
que testemunhou um clássico
durante a sessão de fotos
para esta matéria. "A birra faz
parte do confronto da criança
com os limites impostos", explica
a psicóloga Vera Ferrari,
diretora do serviço de psiquiatria
e psicologia do Instituto da
Criança do Hospital das Clínicas
de São Paulo.
De fato, o pequeno modelo
havia se cansado dos flashes.
Para ele, o "limite" era a obrigação
de fotografar sem parar.
O protesto veio rapidamente.
O desencadeamento de um
ataque é sempre parecido: a
criança quer muito (ou não
quer de jeito nenhum) fazer algo
e é forçada a contrariar sua
vontade. Segue a birra.
Só que nem sempre é possível
adequar rotina e princípios
da educação à vontade do
pequeno para evitar um show.
E quando o "artista" é o próprio
filho, a situação é ainda mais
embaraçosa, já que os pais se
sentem responsáveis e culpados
pela situação. "Os acessos
de birra podem se intensificar
ou diminuir conforme a família
conduz o problema", diz a terapeuta
familiar Quézia Bombonatto,
presidente da ABPp
(Associação Brasileira de Psicopedagogia).
Apesar de fazerem parte do
crescimento, os ataques devem
ser levados a sério, pois mostram
como a criança enfrenta
momentos de adversidade e
sinalizam o desenvolvimento
de sua autonomia.
Cabe aos pais ensinar o filho
a aceitar e superar essas frustrações,
para que ele amadureça
e possa conviver de
maneira saudável com as futuras
negações que inevitavelmente
ouvirá. "Com o não e
com as proibições se passam
valores, se ensina a viver em
comunidade", afirma a psicóloga
Ana Maria Massa, coordenadora
do Cria (Centro de
Referência da Infância e Adolescência)
da Unifesp (Universidade
Federal de São Paulo).
Evite
O ataque começa muito antes
dos berros. Ele vai sendo
cultivado aos poucos, em atitudes
muitas vezes impensadas
pelos pais.
"Às vezes os pais falam tantos
‘nãos’ que as negações deixam
de fazer sentido", argumenta
Quézia Bombonatto.
Para ela, negar sempre não é a
melhor estratégia e pode fazer
as ordens perderem o valor. Se a
criança sabe que a negativa é
séria e tem fundamentos, maiores
são as chances de ela respeitar
sem grandes protestos.
Em contrapartida, dizer sim
e não para uma mesma pergunta
pode confundir o filho. A
permissão hoje para ficar acordado
até mais tarde -só porque
a mãe está cansada e não quer
discussão- pode ficar confusa
amanhã, quando for proibido
de fazê-lo.
Um não bem colocado orienta
a criança e pode diminuir
riscos de birras ou ataques. Dizer
ao filho que durante os dias
da semana ele não pode ver TV
até tarde, pois ficará cansado
para ir à escola cedo, mas que,
aos sábados à noite, sim, por
exemplo, o ajuda a entender
melhor as regras da família e as
compensações que uma resposta
negativa pode trazer.
Quando a negação não trará
compensações (a criança simplesmente
não pode fazer o que
quer), os motivos devem ser
claros e bem explicados à ela,
desde que já apresente maturidade
para entender as razões
do não. O filho não vai ganhar
outro carrinho porque já tem
três do mesmo modelo. Não vai
subir no sofá porque pode cair
e se machucar. Crianças pequenas,
que ainda não conseguem
compreender as explicações,
precisam de intervenção.
"Não adianta falar que
não é para fazer, o melhor é
distrair o pequeno, mudar o foco
de atenção", sugere Quézia
Bombonatto.
Mostrar insegurança ao ditar
as regras também pode estimular
as birras. "O filho
percebe a ‘crise’ dos pais e os
ataques podem se intensificar
como tentativa de descobrir
até onde pode ir", afirma a
psicóloga Regina Maria Rahmi,
coordenadora do curso de
atendimento e orientação familiar
e terapêutica do Sedes
Sapientiae, em São Paulo.
Os pais devem ser coerentes
na educação. Se um proíbe e o
outro permite depois, a criança
fica confusa e dificilmente respeitará
o negador.
Ter regras estabelecidas, especialmente
quando vão sair,
ajuda a controlar os filhos. "A
Ana é aventureira, adora fazer
o que não pode. Mas na rua ela
é controlada, pois eu já explico
como o passeio vai ser antes de
sair", diz a assistente administrativa
Cláudia Pereira Bernardes,
27, mãe de Ana Lívia
Bernardes, 2.
Os programas também devem
ser condizentes às crianças.
"Colocá-la em uma situação-
limite, além de sua capacidade,
só vai irritá-la", avisa
Vera Ferrari. Isso acontece, por
exemplo, quando os filhos são
obrigados a acompanhar os
pais em jantares tarde da noite.
Certamente a combinação do
programa de adultos com o
sono vai deixá-los à beira de
um ataque.
O comportamento do pequeno
pode ainda ser influenciado
pelos amigos. Se ele vir o
coleguinha espernear para os
pais e ganhar o que deseja, vai
tentar em casa. O importante
é cortar os maus modos desde
a primeira tentativa. "Todos
fazem birra em algum momento,
uns fazem mais porque
sabem aonde podem chegar",
diz Vera Ferrari, do HC.
Na hora
Uma menina aprontava um
escândalo em um shopping e
Gabriel Loyola Dias, na época
com sete anos, não pensou duas
vezes para aconselhar a mãe da
garota. "Comece a andar e finja
que não vê. Com certeza ela vai
parar com a birra."
Por experiência própria, ele
sabia que funcionava, como
conta sua mãe, a psicóloga
Cristiana Moura, 35, que, enquanto
o filho se descabelava
no chão, continuava a andar,
fingindo que nada acontecia.
"Ele parava, corria atrás de
mim e ficava bem. Eu não cedia
às birras dele."
O conselho de Gabriel vale
para algumas situações, especialmente
quando já se tentou
outras formas de parar o
ataque. "Em crises moderadas,
ignorar pode ser uma das
soluções. Já em casos mais
graves, quando começa a atacar
pessoas e a jogar coisas, é
melhor ficar próximo da criança,
para ela sentir que tem
atenção", sugere Bombonatto.
Durante um ataque, não se
deve gritar com a criança: isso
só vai deixá-la mais estressada.
Também não é recomendado
oferecer recompensas
para parar de espernear -se
fizer isso uma vez, provavelmente
não conseguirá controlá-
la de outra maneira caso
o episódio se repita.
Crianças de até três anos,
normalmente, precisam de
ação dos pais para recuperarem
o controle. Um olhar
firme e um abraço podem
ajudá-las a se recompor. Já crianças
maiores, que entendem
melhor, precisam ouvir um
não firme e ser tiradas de cena.
Levar o pequeno para outro
ambiente pode ajudá-lo a recuperar
o controle. "Os pais se
sentem provocados com a birra
e, de fato, o são, mas a dar
limites. Se o filho não entende
que a vontade dos pais é a mais
importante, a delas vai prevalecer", comenta Vera Ferrari.
Se o chilique acontece em
público e não for possível ignorá-
lo (pois poderá perturbar
outras pessoas), o indicado é
levar a criança embora.
Em alguns casos, o que causa
um ataque é a irritação por não
conseguir montar um brinquedo
ou o sono. Nessas situações,
conversar com a criança
pode ajudá-la a se acalmar. Sugira
começar a brincadeira de
uma outra forma ou contar
uma história na cama, se o motivo
da irritação for cansaço.
O ataque a irmãos e coleguinhas
pode ocorrer para
chamar atenção dos adultos. Se
for isso, o melhor é fingir que
não viu. Se a criança continuar,
pode-se perguntar a ele por
que quer tanto chamar atenção
de alguém. E pedir para
que escolha entre brincar amigavelmente
ou ir embora.
Quézia Bombonatto sugere
que os deixem resolver a briga,
desde que um não ofereça
risco ao outro. "A criança quer
experimentar como se resolve
um conflito", diz. Se não for
possível controlar, o melhor é
tirá-la do meio dos outros.
Depois
Para a empresária Alloma
Moretti Barroso, 33, mãe de
Theo Moretti Barroso, 2, deixar
a criança "pensando" por
alguns minutos o ajuda a refletir
sobre o que fez. "Depois
do castigo, ele sai mais tranqüilo
e então podemos conversar
olho no olho. Ele me
pede desculpas e o fato fica
marcado", conta.
Ela segue a regra do um
minuto de castigo por ano de
vida, como recomendam muitos
especialistas. "A criança
não consegue ficar concentrada
por muito tempo, não
adianta deixá-la de castigo
além disso. O importante é ela
se acalmar e parar para pensar
no que fez", fala a psicopedagoga
Silvia Amaral, coordenadora
da Elipse Clínica Multidisciplinar.
Esse tempo para pensar
também serve aos pais, que
precisam se acalmar antes de
conversar com a criança. Isso
evita que se desconte no filho
a raiva e a frustração pela
malcriação. "Deixe passar e
depois converse com a criança,
abaixe para ficar namesma altura, olhe no olho e
fale sério e firmemente que
não gostou do que fez", acrescenta
a psicopedagoga.
Ana Maria Massa diz ainda
que não há problema em ficar
bravo e expressar o descontentamento.
"A criança sabe
que isso passa. O conceito de
educação atualmente tem uma
permissividade que faz muito
mal", alerta. Isto é, os pais não
precisam ter receio de serem
firmes. "Os pais têm medo de
frustrar as crianças, estabelecem
a ideologia dos pais-amigos.
Pai é pai, pode ser próximo,
sim, mas deve impor limites",
acrescenta Vera Ferrari.
Terceirização
As crianças têm sido cuidadas
por terceiros -babá, funcionários
da creche, avós. Não é
regra, mas isso pode aumentar
os ataques de birra, já que essas
figuras muitas vezes não
exercem autoridade sobre o filho
"dos outros".
"A criança fica com a vovó,
que é mais condescendente,
ou a babá, que é profissional e
não dá limites. E assim os valores
são muito relativizados.
De repente, a mãe impõe limites,
começa um impasse e aí
vem a birra", explica o pediatra
José Martins Filho, professor
e pesquisador do Centro
de Investigação em Pediatria
da Unicamp (Universidade
Estadual de Campinas)
e autor do livro "A Criança
Terceirizada" (ed. Papirus).
Para ele, os pais devem procurar
compensar a ausência
sempre que possível e passar
o tempo que puderem com a
criança, para que não se percam
as referências. "Se não,
cria-se mais vínculos com o
profissional, que muitas vezes
não tem a mesma bagagem
cultural e social nem a mesma
forma de pensar a vida que o
resto da família" diz.
Também é preciso delegar
autoridade a quem cuida do
filho. "Os cuidadores precisam
ter um preparo suficiente
para lidar com a situação,
devem ter autoridade e
ser obedecidos", avisa a psicopedagoga
Silvia Amaral.
Agradecimento: agência de modelos Fifi Kids;
tel.: 0/xx/11/3842-8568
Próximo Texto: Outras idéias- Michael Kepp: Mega é melhor? Índice
|