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Outras idéias
Mega é melhor?
Michael Kepp
Talvez o tamanho desproporcional
de top models e escolas de
samba no sambódromo
possa explicar porque esses
megaespetáculos raramente
me fascinam. Mulheres em escala menor
e blocos de rua, ambos
mais acessíveis, me encantam
mais. O mesmo se aplica a
cachoeiras. Uma queda d’água
única sobre uma pedra pode,
para mim, transcender até a
sensação oferecida pelas Cataratas do Iguaçu.
Claro, Iguaçu é de tirarofôlego,
mas sua grandiosidade
mantém você à distância. Cachoeiras
menos estupendas,
que massageiam suas costas, lavam
seu suor e oferecem um
bom lugar para nadar não são
mais convidativas? Afinal, qual
é a graça de passar horas caminhando
até uma cascata em que
você não pode semolhar e com
a qual não pode interagir? Não
é como a diferença entre suspirar
por uma celebridade e ser
seduzido por alguém que acaba
deconhecer?
Em Jaciara (Mato Grosso),
fui atraído a uma caverna por
um volumoso jorro d’água que
caía de seu teto dentro de uma
depressão criada pela força da
cascata. A poderosa que da havia
criado um caldeirão espumante
de bolhas em que cabiam
sete pessoas. Iguaçu oferece muito,
mas não uma jacuzzi
natural, anão ser que você tenhase
cansado da vida.
O que torna a Cachoeirinha,
no Parque Estadual de Ibitipoca
(Minas Gerais), tão sedutora
são sua cor e seu contexto. Depósitos
minerais garantem aos
rios do parque um tom dourado-
escuro reluzente, realçado
por leitos de calcário. E, já que a
Cachoeirinha, um córrego cor
de Coca-Cola, caindo sobre um
veio cor de creme, exige quatro
horas de caminhada pelo cerrado árido
e seco, é um oásis.
A Cachoeirinha me tornou
um fanático por cascatas, um
cão de caça, farejando o campo
atrás desses esparsos pedaços
de paraíso. E, uma vez que não
tenho uma imagem pré-concebida
do paraíso, cada versão
que encontro é uma revelação,
uma visão exclusiva -já que
quase todos os outros estão na
praia.
Indiana Jones, a cascata próxima
a São Pedro da Serra, no
Estado do Rio de Janeiro, foi
umadessas revelações.
Enquanto vencia o terreno à
volta de um cânion de rio, três
pedras redondas -do tamanho
da que perseguiu Indiana Jones
ligavam suas paredes estreitas,
esculpidas pela cachoeira
atrás delas.
Uma cascata na serra da Bocaina,
fronteira dos Estados do
Rio e de São Paulo, tambémme
deixou de queixo caído. Depois
de caminhar pelamata atlântica
até umcórrego que despencava
precipício abaixo, vi que
não havia mirante para a cachoeira.
Então, boiei no córrego
e esperei que as nuvens se
dissipassem.Quando se foram,
revelaram toda a baía de Angra
dos Reis, suas ilhas e a Ilha
Grande ao fundo.
Muitas das maravilhas do
mundo, natural ou não, não
são monumentais. Essas pequenas
jóias enfeitiçam porque
sua escala reduzida convida
você a interagir comelas e a
acordar seus sentidos.
Maravilhas -sejam elas cascatas,
Carnavais ou membros
do sexo oposto- não precisam
ser mega para fazeremvocê dizer
"uau!". Cachoeiras ficam
ainda mais encantadoras se
são exclusivas, se a única outra
pessoa com quem você as
compartilha for também uma
maravilha.
MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano
radicado há 25 anos noBrasil, é autor do livro de
crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões
e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)
www.michaelkepp.com.br
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