UOL


São Paulo, quinta-feira, 07 de agosto de 2003
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

foco nela


"Acho que algumas coisas nós só descobrimos quando temos necessidade. Não sou mais forte que ninguém. A diferença é que acredito em mim. Olhe pra mim e para você, é visível a diferença de potencial. Onde está nossa diferença principal? Na mente!"


"Vivo o hoje, o melhor possível do hoje"

BELL KRANZ
EDITORA DO EQUILÍBRIO

Quem se lembra de Luciana Scotti vai ficar satisfeito em receber notícias dela, passados cinco anos do lançamento do seu livro, um sucesso que vendeu mais de 100 mil exemplares em cinco anos. Quem ainda não a conhece deverá ficar impressionado com a sua história.
Scotti era uma garota espevitada, animadíssima, cheia de energia, além de muito bonita e inteligente. Acabara de se formar em farmácia na USP, já trabalhava na área e se preparava para fazer pós-graduação na Itália.
No dia 2 de maio de 1994, ela trabalhou o dia inteiro, passou na USP para buscar o irmão e foram para casa. Ela ia ao shopping com a mãe. Antes foi ao banheiro escovar os dentes. Sentiu uma forte tontura e quase imediatamente entrou em convulsão. A partir dali, Scotti sofreu duas paradas cardiorrespiratórias, foi submetida a uma traqueostomia e uma transfusão de sangue, passou por três pneumonias e duas cirurgias no cérebro. Recebeu a extrema-unção. Tudo porque tomava pílula anticoncepcional e fumava, combinação que lhe rendeu um AVC (acidente vascular cerebral).
Scotti ficou muda e tetraplégica aos 22 anos. Sua história está no livro "Sem Asas ao Amanhecer" (213 págs., R$ 25, ed. O Nome da Rosa, tel. 0/xx/11/3817-5000), que está sendo relançado agora.
De lá para cá, Scotti ficou noiva -o que "foi importante no sentido de eu renascer como mulher"-, terminou o noivado, fez mestrado e publicou mais dois livros (um romance e a tese de mestrado). Estuda muito, namora, dá palestras em congressos científicos e, atualmente, faz doutorado em modelagem molecular para cosmetologia - "sou pioneira no país", escreveu ela no computador com o único dedo da mão que movimenta, durante entrevista feita em sua casa. Leia aqui.

Folha - Houve um fator ou mais que levaram você a dar a volta por cima?
Luciana Scotti -
Quando tive o AVC, passei três anos vivendo numa cama, me lamentando, chorando as perdas, relembrando o passado, vendo o distanciamento dos amigos que saíam sempre comigo. Os dias passavam e eu olhava a chuva, o sol, o inverno, o verão pela janela do quarto, chorando, de pijama, por dias, meses, anos! Uma pessoa deve chorar, ir ao fundo do poço, mas precisa também reagir. Lá embaixo é frio, escuro, triste, e o pior é que a vida continua sem você! Acho que cansei, ficar parada também cansa! Escolhi viver tetraplégica e muda, mas ainda é minha vida.

Folha - Você conta no livro que sentia inveja dos paraplégicos porque eles tinham a força da vida que você não tinha. E hoje?
Scotti -
Hoje não os invejo. Paraplégicos, tetraplégicos, ou seja, lesados medulares perdem parte da sensibilidade. Não sou lesada medular, meu problema é no cérebro. Parte dele está lesado, justamente a parte responsável por movimentos e equilíbrio. Sinto tudo: frio, calor, dor, cócegas, orgasmo, coceira. Aparentemente, eles são superiores a mim e fazem muito mais coisas. Quando falei que invejava os paraplégicos, não conseguia ver o que eu ainda tinha. Na vida também é assim, uma pessoa pode parecer superior a você, mas pode não ter paz e viver insatisfeita ou ter problemas que você nem imagina. Não inveje, valorize o que tem.

Folha - Você buscou alguma forma de ajuda espiritual?
Scotti -
Minha vida é basicamente dirigida à ciência, acho que a ajuda está na cabeça. Se nos calarmos, olharmos para nós mesmos, tentando crescer, melhorar, ter paz, acho que nos ajudaremos muito mais. Busca-se fora o que se devia buscar dentro. Não sou avessa a questões de espiritualidade nem sou descrente. Acredito em Deus, mas acredito que Deus ajuda quem se ajuda.

Folha - Nem todas as pessoas têm a sua força e autoconfiança.
Scotti -
É, acho que algumas coisas nós só descobrimos quando temos necessidade. Não sou mais forte que ninguém. A diferença é que acredito em mim. Olhe para mim e para você, é visível a diferença de potencial. Ou seja, você fala, anda, dirige, tem independência. Potencialmente pode muito mais. Se faço coisas admiráveis, você também pode. Se escrevo um livro com um dedo, você escreveria em um décimo do tempo, digitando com dez dedos! Onde está nossa diferença principal? Na mente!

Folha - As piores dificuldades que você enfrentou foram físicas ou mentais?
Scotti -
Sem dúvida, mentais. Com o físico, a gente se vira, reaprende, pede ajuda, usa equipamento, se adapta, mas, se você não está bem, nem consegue reagir.

Folha - Para superar os desafios, você segue um método rígido de metas. Como é?
Scotti -
Eu darei um exemplo: sou destra, mas, com o AVC, todo o lado direito do meu corpo ficou praticamente paralisado. Então reaprendi a escrever lentamente com a mão esquerda. Cronometrei e vi que escrevia uma carta em oito horas. A partir daí, decidi fazer em uma hora: fui treinando, cronometrando, batendo recordes, como atleta, e consegui!

Folha - Nas palestras que dá em escolas, percebe que os jovens conhecem os riscos da combinação pílula e tabagismo?
Scotti -
Não. O que sempre digo é que fumar, tomar pílula e ter enxaqueca são fatores de risco que, somados, aumentam sete vezes o risco de AVC.

Folha - Qual o seu maior desejo hoje?
Scotti -
Ter sucesso profissional.

Folha - Você tem alguma meta traçada para o futuro?
Scotti -
Não penso em futuro a longo prazo. Vivo o hoje, o melhor possível do hoje.


Texto Anterior: Algumas das ações legais
Próximo Texto: quem é ela
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.