São Paulo, terça-feira, 07 de dezembro de 2010
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Coisas loucas

MARION MINERBO marion.minerbo@terra.com.br

Presentes e lembrancinhas


É preciso olhar os objetos de forma criativa, até que um traduza nossa visão do presenteado


COMEMORAÇÕES DE fim de ano têm um lado consumista.
Mas têm um lado poético. É encantadora a expressão "É só uma lembrancinha". Já a palavra "presente" evoca uma proposta diferente.
A lembrancinha é um objeto relativamente banal, não tem grande valor utilitário nem custa caro, daí o diminutivo. Ela é, sobretudo, despretensiosa, o que realça seu valor simbólico. É entendida como uma atenção desinteressada e gratuita. Quem dá não espera reciprocidade, embora isso acabe acontecendo.
Não é necessário muito tempo para encontrar uma lembrancinha. Embora escolhida com carinho, ela não precisa ter a cara de quem dá ou de quem recebe. E serve para presentear uma gama variada de relações: amigos, colegas, pessoas que nos prestam algum serviço.
Podemos dar uma lembrancinha a qualquer pessoa, em qualquer época do ano.
Nesse sentido, é um gesto que não compromete quem dá, nem quem recebe. Tem um papel importante na sociabilidade feminina. Quem ganha se surpreende, quem não ganha não se ofende.
O presente é outra coisa. É mais formal e está ligado a datas oficiais. Gera expectativas do lado de quem dá e de quem recebe. Precisa ter nossa cara. O embrulho é importante. Queremos fazer bonito.
Mas também queremos que ele tenha a ver com quem recebe, pois indica ao outro como o vemos. Quando alguém abre o pacote, é gratificante testemunhar sua alegria. Não apenas pelo novo objeto, mas, principalmente, por se sentir reconhecido por nós em sua singularidade.
É possível errar ao escolher um presente. Um erro grosseiro pode ser mais ofensivo do que não dar nada. O presente é mais comprometedor do que a lembrancinha.
Presentear bem envolve talento e arte. É preciso olhar criativamente para os objetos do mundo até que um, em meio a tantos, se destaque como capaz de traduzir nossa visão do presenteado.
Dar presente ou lembrancinha é fazer declarações de estima, só que com ênfases ligeiramente diferentes. O presente acentua a doação de minha parte ao outro (pelo tempo e dinheiro que lhe dediquei), bem como meu desejo de fazer parte de sua vida.
A lembrancinha diz ao outro que ele faz parte da minha.
Quando o ato de comprar está ligado a mensagens desse tipo, deixa de ser mero consumo e passa a ter valor simbólico. Torna-se significativo. Resgatamos o sentido profundo do gesto de presentear, que corria o risco de se perder em meio à "compração" frenética de fim de ano.

MARION MINERBO, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Neurose e Não-Neurose" (Casa do Psicólogo)


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