São Paulo, quinta-feira, 08 de janeiro de 2004
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foco nele

Prêmio Nobel estuda gás "multifuncional"

KARINA KLINGER
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Desde que descobriu como o organismo produz o óxido nítrico (NO), gás que mantém a integridade do sistema circulatório e garante proteção contra as doenças cardiovasculares, o cientista norte-americano Louis Ignarro, 62, que ganhou o prêmio Nobel de Medicina em 1998, vem se aprofundando no estudo dessa substância.
Além de constatar que pacientes obesos, com diabetes, câncer, mal de Alzheimer e úlcera têm baixas quantidades de NO no organismo, Ignarro chegou à conclusão de que é possível estimular a produção desse gás pela alimentação, de uma maneira natural. Existem micronutrientes, como vitaminas e aminoácidos, que estão associados à formação do NO.
"A arginina é um aminoácido encontrado na carne, no peixe, no amendoim etc. Mas, por meio da dieta, não é possível consumir as quantidades ideais de arginina para que haja maior produção de NO. Por isso resolvemos desenvolver um suplemento alimentar", explica o cientista. Em junho de 2003, ele lançou o suplemento no mercado americano. O produto pode chegar ao Brasil ainda neste ano.
Ignarro, que trabalha na Universidade da Califórnia (UCLA), ressalta que, para manter o coração em dia, a melhor maneira é prevenir-se. Segundo ele, a mudança de hábitos -o que inclui prática regular de exercícios físicos, dieta equilibrada e distância do cigarro, entre outras atitudes saudáveis- deve começar o quanto antes. "Eu e minha mulher mudamos nossos hábitos de vida há anos." Leia a entrevista concedida no mês passado, quando ele esteve no Brasil.

Folha - Qual a importância do NO na vida das pessoas?
Louis Ignarro - Quando as pessoas descobrirem a sua multifuncionalidade, poderão prevenir-se de uma série de doenças, como obesidade, diabete, úlcera, câncer, hipertensão, colesterol alto e infarto. Não provamos ainda como o gás age exatamente em todos os órgãos, mas sabemos que, em altas quantidades, ele deixa o organismo mais auto-suficiente.

Folha - O que já se conhece sobre a ação desse gás no corpo?
Ignarro - Apesar de ser um gás, é importante deixar claro que, assim como acontece com o oxigênio, o NO aparece associado a outras moléculas e, consequentemente, na forma de uma substância no organismo. Até agora, temos certeza de que ele diminui o crescimento das células do tecido muscular no interior das artérias, além de ser um potente vasodilatador. Isso é importante porque, tanto na aterosclerose como nas doenças cardiovasculares, existe um supercrescimento desses tecidos arteriais que provoca um bloqueio na fluidez do sangue.

Folha - Como o organismo produz esse gás?
Ignarro - Ele surge a partir do aminoácido arginina, que é convertido em NO em todo o organismo. No cérebro, por exemplo, existe uma produção alta de NO, que age como um neurotransmissor importante para a memória e para o aprendizado. Algumas pesquisas mostraram que pacientes com mal de Alzheimer têm níveis reduzidos de NO no cérebro. Conseguimos provar também que o NO retarda o crescimento de tumores e estamos tentando entender como isso é possível.

Folha - Como é possível incentivar a produção de NO?
Ignarro - Os laboratórios farmacêuticos estão tentando desenvolver drogas para esse fim. Fiz pesquisas para mostrar que é possível encontrar uma maneira natural de estimular o organismo, tomando arginina, aminoácido presente nos alimentos, e vitaminas antioxidantes, como as vitaminas C e E. Infelizmente ainda não descobrimos uma dieta com alimentos comuns, como a carne, rica em aminoácidos, que garanta, por si só, a produção do gás.

Folha - Esses novos medicamentos serão usados apenas para prevenção?
Ignarro - Se a pessoa já tem a doença, só podemos tratar. Se conseguirmos estimular a produção de NO de forma natural, por meio de uma suplementação específica, será ótimo. A maioria das doenças está associada a fatores genéticos. Por exemplo, 90% das complicações cardiovasculares são hereditárias. Assim, se você tem um histórico familiar, pessoas que tiveram ataques cardíacos, aterosclerose e hipertensão na família, pode prevenir-se estimulando a produção de NO.

Folha - Algumas pessoas produzem maior quantidade de NO que outras?
Ignarro - Algumas pessoas apresentam um estresse oxidativo maior e têm uma menor quantidade de NO. Isso acontece com pessoas com colesterol alto. As artérias produzem uma quantidade menor do gás. Pesquisas demonstraram também que quem sofre de úlcera quase não produz NO na mucosa do intestino. Obesos também produzem quantidade menor desse gás. Em nosso laboratório, estamos tentando estabelecer uma conexão também entre pacientes com diabetes. Quanto mais gordura a pessoa tem no corpo, maior o estresse oxidativo, ou seja, existe mais oxigênio para reagir com o NO e ele se torna mais instável.

Folha - Quais são os seus projetos atuais?
Ignarro - Vou lançar um livro sobre o assunto para a população leiga. Estou também preocupado com a saúde das mulheres e tentando desvendar por que o estrógeno as protege contra ataques cardíacos. Já descobrimos que esse hormônio estimula a produção de NO. E faz isso com eficácia.


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