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CRIANÇA
Hora de tirar a fralda
Sociedade Brasileira de Pediatria preconiza que o processo nunca deve ocorrer antes dos 18 meses porque a criança não está preparada
PATRÍCIA CERQUEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Apesar da simbiose entre bebês e fraldas
descartáveis, que funcionam quase como
uma segunda pele, todas as
crianças saudáveis terão de deixar de usá-las. A questão é:
quando essa troca deve acontecer? A SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) preconiza que o
processo nunca deve ocorrer
antes dos 18 meses porque a
criança não está preparada.
Segundo os pediatras, no período entre 18 e 30 meses uma
criança saudável costuma estar
"madura" para fazer xixi na privada (com assento redutor).
As idades, porém, são apenas
parâmetros. Cada criança tem
seu ritmo e sua maturidade.
Meninas costumam sair da
fralda antes, e irmãos não seguem o mesmo padrão.
Retirar a fralda é um marco
no desenvolvimento infantil.
Estudos consideram, inclusive,
que esse é o primeiro grande
estresse da vida de uma criança. "É um dos primeiros passos
para ela se tornar autossuficiente", diz a nefrologista pediátrica Denise Mota, doutora
em epidemiologia e professora
da Universidade Federal de Pelotas (RS).
Para urinar no banheiro, a
criança precisa lembrar que
tem de caminhar até o vaso ou
penico, baixar as calças, sentar,
urinar, puxar as calças, dar a
descarga e lavar as mãos. É um
processo complexo, que deve
ser treinado em etapas.
"Quando o Pedro tinha dois
anos, comecei a falar que ele já
estava moço e que moços não
usam fralda. Mas percebi que
tinha de partir dele", diz
Wendy Aquino, 29. Cerca de
três meses depois, ela começou
a notar que o menino anunciava que estava fazendo xixi na
fralda. Foi a senha para que ela
iniciasse o processo sob orientação pediátrica. Hoje, aos 2
anos e 8 meses, Pedro já está
habituado a usar o banheiro.
Teste de paciência
Além das habilidades infantis, o fim das fraldas exige também paciência e disponibilidade dos pais. "Se a criança sentar
e depois de três segundos levantar, dizendo que não quer,
sem problema. Depois de cinco
minutos, convide de novo",
orienta Albert Bousso, professor de pediatria da Faculdade
de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e pediatra
do Hospital Israelita Albert
Einstein e do Hospital Universitário da USP.
Os pais precisam ainda ter
desapego material porque a
urina (e as fezes) vão escapar
no sofá, na cadeira, na cama, no
chão, no tapete -e até nos móveis ultramodernos da casa de
amigos. A pior coisa a fazer é
obrigar a criança a sentar-se na
marra. Ou brigar, bater e gritar
por causa dos inevitáveis escapes. "As mães e os pais têm de
entender que, da mesma forma
que a criança tem de cair para
aprender a andar, que ela demora para ser alfabetizada, o
controle da urina não ocorre de
uma hora para outra. Pode levar de dois a quatro meses, com
fatores positivos [como incentivo dos pais quando ele acerta]
presentes", diz o pediatra.
Valorizar o momento
A nefrologista Denise Mota
descobriu, em estudo feito em
Pelotas (RS), que, apesar da
preconização da SBP e do discurso dos pediatras, entre as
mães pesquisadas não há consenso sobre o melhor momento
para tirar as fraldas.
A retirada, para elas, pode
ocorrer em momentos tão díspares quanto antes de o bebê
ter 18 meses ou com uma falante criança de três anos. "Pela
praticidade da fralda, as mães
começam o processo quando a
criança está quase com três
anos e sem orientação pediátrica", afirma.
A falta de aconselhamento
pode levar a um processo inadequado e gerar problemas na
criança. "A retirada precoce da
fralda, ou seja, antes dos 18 meses, é associada ao prolongamento do treinamento e a alguns problemas tardios de enurese (urina que escapa à noite)
e constipação", afirma Nilzete
Brezolin, presidente do Departamento de Nefrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Um treinamento inadequado
também pode levar à recusa da
criança em ir ao banheiro.
Da mesma forma, a demora
para retirar a fralda também
tem consequências. Segundo o
levantamento de Denise Mota,
"o treinamento tardio pode resultar em aumento do risco de
doenças infecciosas, com diarreia, assim como num aumento
da prevalência de constipação e
recusa em ir ao banheiro".
A falta de orientação, segundo Mota, seria resultado do
pouco valor que se dá ao controle dos esfíncteres, apesar de
ser um marco importante da
infância. "As orientações costumam ser pouco utilizadas pelos médicos em consultas de rotina e, quando utilizadas, não
são abordados todos os tópicos,
tampouco se pergunta aos pais
que tópicos gostariam de discutir", diz a médica, no estudo.
A pediatra Gelsomina Colarusso Bosco, do Hospital e Maternidade São Luiz, concorda.
"Infelizmente isso acontece. As
mães têm muitas dúvidas, mas
ficam sem orientação", diz. Ela
costuma pedir à família que decide embarcar rumo ao fim das
fraldas descartáveis para abolir
três itens: pressa, comparação
com irmãos e com outras crianças e cobrança.
Foi o que fez a dentista Claudia Pessoa Rangel Bourdoukan,
33. "A nossa pediatra foi muito
parceira. Queria tirar a fralda
antes dos 18 meses porque a
Bruna já se incomodava, mas
fui orientada a esperar." Começou com 22 meses e, em 60
dias, Bruna se adaptou -mas às
vezes o xixi ainda escapa.
Informação e paciência são
as palavras-chaves para saber,
inclusive, que o mais fácil de
treinar é o cocô. Feito uma vez
por dia, e como o hábito do intestino é previsível, dá para se
antecipar e perguntar à criança
se ela quer ir ao banheiro.
E o mais difícil é o xixi da noite. Tanto que a fralda noturna
não costuma ser riscada da lista
do supermercado tão rapidamente. Mas, em geral, o controle dos esfíncteres (inclusive à
noite) está completo aos quatro
anos. O que não significa o fim
dos "acidentes" noturnos. É
normal escapar na cama até os
seis anos. "Conforme a criança
cresce, a capacidade da bexiga
também aumenta, e os escapes
no meio da noite tendem a reduzir", diz Denise Mota.
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