São Paulo, quinta-feira, 08 de janeiro de 2009
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CRIANÇA

Hora de tirar a fralda

Sociedade Brasileira de Pediatria preconiza que o processo nunca deve ocorrer antes dos 18 meses porque a criança não está preparada

PATRÍCIA CERQUEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Apesar da simbiose entre bebês e fraldas descartáveis, que funcionam quase como uma segunda pele, todas as crianças saudáveis terão de deixar de usá-las. A questão é: quando essa troca deve acontecer? A SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) preconiza que o processo nunca deve ocorrer antes dos 18 meses porque a criança não está preparada.
Segundo os pediatras, no período entre 18 e 30 meses uma criança saudável costuma estar "madura" para fazer xixi na privada (com assento redutor).
As idades, porém, são apenas parâmetros. Cada criança tem seu ritmo e sua maturidade. Meninas costumam sair da fralda antes, e irmãos não seguem o mesmo padrão.
Retirar a fralda é um marco no desenvolvimento infantil. Estudos consideram, inclusive, que esse é o primeiro grande estresse da vida de uma criança. "É um dos primeiros passos para ela se tornar autossuficiente", diz a nefrologista pediátrica Denise Mota, doutora em epidemiologia e professora da Universidade Federal de Pelotas (RS).
Para urinar no banheiro, a criança precisa lembrar que tem de caminhar até o vaso ou penico, baixar as calças, sentar, urinar, puxar as calças, dar a descarga e lavar as mãos. É um processo complexo, que deve ser treinado em etapas.
"Quando o Pedro tinha dois anos, comecei a falar que ele já estava moço e que moços não usam fralda. Mas percebi que tinha de partir dele", diz Wendy Aquino, 29. Cerca de três meses depois, ela começou a notar que o menino anunciava que estava fazendo xixi na fralda. Foi a senha para que ela iniciasse o processo sob orientação pediátrica. Hoje, aos 2 anos e 8 meses, Pedro já está habituado a usar o banheiro.

Teste de paciência
Além das habilidades infantis, o fim das fraldas exige também paciência e disponibilidade dos pais. "Se a criança sentar e depois de três segundos levantar, dizendo que não quer, sem problema. Depois de cinco minutos, convide de novo", orienta Albert Bousso, professor de pediatria da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e pediatra do Hospital Israelita Albert Einstein e do Hospital Universitário da USP.
Os pais precisam ainda ter desapego material porque a urina (e as fezes) vão escapar no sofá, na cadeira, na cama, no chão, no tapete -e até nos móveis ultramodernos da casa de amigos. A pior coisa a fazer é obrigar a criança a sentar-se na marra. Ou brigar, bater e gritar por causa dos inevitáveis escapes. "As mães e os pais têm de entender que, da mesma forma que a criança tem de cair para aprender a andar, que ela demora para ser alfabetizada, o controle da urina não ocorre de uma hora para outra. Pode levar de dois a quatro meses, com fatores positivos [como incentivo dos pais quando ele acerta] presentes", diz o pediatra.

Valorizar o momento
A nefrologista Denise Mota descobriu, em estudo feito em Pelotas (RS), que, apesar da preconização da SBP e do discurso dos pediatras, entre as mães pesquisadas não há consenso sobre o melhor momento para tirar as fraldas.
A retirada, para elas, pode ocorrer em momentos tão díspares quanto antes de o bebê ter 18 meses ou com uma falante criança de três anos. "Pela praticidade da fralda, as mães começam o processo quando a criança está quase com três anos e sem orientação pediátrica", afirma.
A falta de aconselhamento pode levar a um processo inadequado e gerar problemas na criança. "A retirada precoce da fralda, ou seja, antes dos 18 meses, é associada ao prolongamento do treinamento e a alguns problemas tardios de enurese (urina que escapa à noite) e constipação", afirma Nilzete Brezolin, presidente do Departamento de Nefrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. Um treinamento inadequado também pode levar à recusa da criança em ir ao banheiro.
Da mesma forma, a demora para retirar a fralda também tem consequências. Segundo o levantamento de Denise Mota, "o treinamento tardio pode resultar em aumento do risco de doenças infecciosas, com diarreia, assim como num aumento da prevalência de constipação e recusa em ir ao banheiro".
A falta de orientação, segundo Mota, seria resultado do pouco valor que se dá ao controle dos esfíncteres, apesar de ser um marco importante da infância. "As orientações costumam ser pouco utilizadas pelos médicos em consultas de rotina e, quando utilizadas, não são abordados todos os tópicos, tampouco se pergunta aos pais que tópicos gostariam de discutir", diz a médica, no estudo.
A pediatra Gelsomina Colarusso Bosco, do Hospital e Maternidade São Luiz, concorda. "Infelizmente isso acontece. As mães têm muitas dúvidas, mas ficam sem orientação", diz. Ela costuma pedir à família que decide embarcar rumo ao fim das fraldas descartáveis para abolir três itens: pressa, comparação com irmãos e com outras crianças e cobrança.
Foi o que fez a dentista Claudia Pessoa Rangel Bourdoukan, 33. "A nossa pediatra foi muito parceira. Queria tirar a fralda antes dos 18 meses porque a Bruna já se incomodava, mas fui orientada a esperar." Começou com 22 meses e, em 60 dias, Bruna se adaptou -mas às vezes o xixi ainda escapa.
Informação e paciência são as palavras-chaves para saber, inclusive, que o mais fácil de treinar é o cocô. Feito uma vez por dia, e como o hábito do intestino é previsível, dá para se antecipar e perguntar à criança se ela quer ir ao banheiro.
E o mais difícil é o xixi da noite. Tanto que a fralda noturna não costuma ser riscada da lista do supermercado tão rapidamente. Mas, em geral, o controle dos esfíncteres (inclusive à noite) está completo aos quatro anos. O que não significa o fim dos "acidentes" noturnos. É normal escapar na cama até os seis anos. "Conforme a criança cresce, a capacidade da bexiga também aumenta, e os escapes no meio da noite tendem a reduzir", diz Denise Mota.


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