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Pensata
Questões de gênero
SAÚDE, por Joel Rennó Jr.
A colunista Rosely Sayão e o psiquiatra Joel Rennó Jr. comentam a situação da mulher
A
luta feminina, pela
verdadeira felicidade,
ainda está longe do
fim. Vários fatores
corroboram o meu ponto de
vista. A mulher tem múltiplos
papéis e cobranças sociais e familiares, com conflitos envolvendo a educação dos filhos e a
atuação profissional. E seu trabalho ainda é desqualificado.
Vivemos em uma sociedade
massacrante, com padrões
preestabelecidos que tentam
impedir uma reflexão individualizada. Modelos prontos de
felicidade são vendidos em livros de auto-ajuda. E a mídia
cria estereótipos incongruentes e reducionistas do espectro
comportamental feminino.
Muitos medos e mitos existem. Há os temores do envelhecimento, da perda da libido e da
beleza, do risco de envolvimento dos filhos com drogas, do fim
dos casamentos felizes. Aspectos fisiológicos, como a dança
dos hormônios e seus papéis no
organismo, ainda são pouco
compreendidos pelas mulheres
e por seus companheiros.
Diferenças existem, do ponto
de vista físico, entre os corpos
de mulheres e homens no que
se refere, entre outros aspectos, à formação do cérebro, características do sangue e aparência (altura, músculos etc.).
Neste momento, os discursos
médicos aprofundam os estudos sobre a mulher e a natureza
feminina. Os textos mudam e
constroem um novo tipo de saber. Mas muito cuidado deve
nortear os pesquisadores.
Comparando a mulher com o
homem, a medicina pode reafirmar a idéia de inferioridade
feminina, já que transforma a
diferença entre os sexos em sinal de anomalia da mulher.
É a idéia de uma constituição
feminina de base degenerada
que deve influenciar o projeto
médico de intervenção junto à
mulher, com a criação de atendimentos especializados.
Nos estudos gênero-específicos atuais, observamos a importância da interdisciplinariedade para a saúde da mulher.
Aqui, ressalto a importância da
integração entre especialidades como endocrinologia, nutrologia, cardiologia, psiquiatria e ginecologia, entre outras.
Pacientes obesas, diabéticas,
hipertensas, com hipotireoidismo e doenças ginecológicas como a síndrome dos ovários policísticos e a endometriose
apresentam sintomas psíquicos -como ansiedade e depressão- com bastante freqüência.
Outra relação interessante é
entre os aspectos comportamentais e nutricionais e a
menstruação. Várias pacientes
atendidas com quadro de desnutrição devido à anorexia nervosa têm amenorréia, ou seja,
param de menstruar. Isso pode
ser decorrente de duas possibilidades: 1) a falta de gordura e
proteínas das dietas levando à
diminuição da fabricação dos
hormônios femininos; 2) o
emocional atuando sobre o hipotálamo, o centro regulador
da secreção de tais hormônios.
Algumas me perguntam se os
sintomas psíquicos são decorrentes das doenças clínicas.
Respondo que o inverso também é possível: o emocional pode levar a quadros orgânicos.
A relação entre o emocional e
a secreção dos hormônios femininos é interessante. O estresse crônico é responsável
pela secreção de dois hormônios importantes: o cortisol e a
noradrenalina. Ambos podem
provocar alterações metabólicas significativas. Na presença
de tais hormônios, pode haver,
por exemplo, o bloqueio da secreção de insulina. Haveria, assim, um aumento da glicose no
sangue, predispondo ao diabetes melito e ao acúmulo de gordura devido à conversão do
açúcar em gordura.
É nítido que as mulheres sofrem mais com os hormônios
quando comparadas aos homens. Porém, é bom deixar claro que algumas são mais susceptíveis às oscilações hormonais fisiológicas do que outras.
Nem sempre precisa haver um
nível hormonal alterado para
que haja mudanças emocionais. Basta uma vulnerabilidade maior às variações, incluindo períodos como o pré-menstrual, o pós-parto e a perimenopausa (fase que marca o fim da
vida reprodutiva feminina).
A melhor forma de abordagem de tais quadros clínicos é o
trabalho multiprofissional.
Embora tenha havido progressos, ainda há resistências de
médicos a encaminhar tais pacientes para uma avaliação psiquiátrica. No meio acadêmico,
tal prática essencial é cada vez
mais comum e construtiva.
No âmbito familiar, filhos e
marido devem estar envolvidos
nos tratamentos. A evolução
que engloba os vários aspectos
da saúde da mulher deve compreender também um processo
de amadurecimento psicológico dos homens e familiares.
O envelhecer saudável deve
ser encarado como uma dádiva,
principalmente quando o preparo para tal fase se inicia precocemente e sem estereótipos.
Aspectos físicos mudam, independentemente dos dispendiosos tratamentos estéticos. Daí a
necessidade de nos prepararmos para as transformações interiores que o tempo exige, mudando estilo de vida, pensamento e comportamento.
Um mundo interno fortalecido substitui, com vantagem,
eventuais declínios fisiológicos. Cuidem da saúde, mas não
se enquadrem em neuroses da
modernidade -como a eterna
juventude e os protótipos de felicidade artificial-, construídas em pilares humanos frágeis
que só geram angústias e perdas irreversíveis.
JOEL RENNÓ JR. é coordenador-geral do Pró-Mulher (Projeto de Atenção à Saúde Mental da
Mulher, do Instituto de Psiquiatria do Hospital
das Clínicas da USP)
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