São Paulo, quinta-feira, 08 de março de 2007
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Pensata
Questões de gênero

SAÚDE, por Joel Rennó Jr.

A colunista Rosely Sayão e o psiquiatra Joel Rennó Jr. comentam a situação da mulher

A luta feminina, pela verdadeira felicidade, ainda está longe do fim. Vários fatores corroboram o meu ponto de vista. A mulher tem múltiplos papéis e cobranças sociais e familiares, com conflitos envolvendo a educação dos filhos e a atuação profissional. E seu trabalho ainda é desqualificado.
Vivemos em uma sociedade massacrante, com padrões preestabelecidos que tentam impedir uma reflexão individualizada. Modelos prontos de felicidade são vendidos em livros de auto-ajuda. E a mídia cria estereótipos incongruentes e reducionistas do espectro comportamental feminino.
Muitos medos e mitos existem. Há os temores do envelhecimento, da perda da libido e da beleza, do risco de envolvimento dos filhos com drogas, do fim dos casamentos felizes. Aspectos fisiológicos, como a dança dos hormônios e seus papéis no organismo, ainda são pouco compreendidos pelas mulheres e por seus companheiros.
Diferenças existem, do ponto de vista físico, entre os corpos de mulheres e homens no que se refere, entre outros aspectos, à formação do cérebro, características do sangue e aparência (altura, músculos etc.).
Neste momento, os discursos médicos aprofundam os estudos sobre a mulher e a natureza feminina. Os textos mudam e constroem um novo tipo de saber. Mas muito cuidado deve nortear os pesquisadores. Comparando a mulher com o homem, a medicina pode reafirmar a idéia de inferioridade feminina, já que transforma a diferença entre os sexos em sinal de anomalia da mulher.
É a idéia de uma constituição feminina de base degenerada que deve influenciar o projeto médico de intervenção junto à mulher, com a criação de atendimentos especializados.
Nos estudos gênero-específicos atuais, observamos a importância da interdisciplinariedade para a saúde da mulher. Aqui, ressalto a importância da integração entre especialidades como endocrinologia, nutrologia, cardiologia, psiquiatria e ginecologia, entre outras.
Pacientes obesas, diabéticas, hipertensas, com hipotireoidismo e doenças ginecológicas como a síndrome dos ovários policísticos e a endometriose apresentam sintomas psíquicos -como ansiedade e depressão- com bastante freqüência.
Outra relação interessante é entre os aspectos comportamentais e nutricionais e a menstruação. Várias pacientes atendidas com quadro de desnutrição devido à anorexia nervosa têm amenorréia, ou seja, param de menstruar. Isso pode ser decorrente de duas possibilidades: 1) a falta de gordura e proteínas das dietas levando à diminuição da fabricação dos hormônios femininos; 2) o emocional atuando sobre o hipotálamo, o centro regulador da secreção de tais hormônios.
Algumas me perguntam se os sintomas psíquicos são decorrentes das doenças clínicas. Respondo que o inverso também é possível: o emocional pode levar a quadros orgânicos.
A relação entre o emocional e a secreção dos hormônios femininos é interessante. O estresse crônico é responsável pela secreção de dois hormônios importantes: o cortisol e a noradrenalina. Ambos podem provocar alterações metabólicas significativas. Na presença de tais hormônios, pode haver, por exemplo, o bloqueio da secreção de insulina. Haveria, assim, um aumento da glicose no sangue, predispondo ao diabetes melito e ao acúmulo de gordura devido à conversão do açúcar em gordura.
É nítido que as mulheres sofrem mais com os hormônios quando comparadas aos homens. Porém, é bom deixar claro que algumas são mais susceptíveis às oscilações hormonais fisiológicas do que outras. Nem sempre precisa haver um nível hormonal alterado para que haja mudanças emocionais. Basta uma vulnerabilidade maior às variações, incluindo períodos como o pré-menstrual, o pós-parto e a perimenopausa (fase que marca o fim da vida reprodutiva feminina).
A melhor forma de abordagem de tais quadros clínicos é o trabalho multiprofissional. Embora tenha havido progressos, ainda há resistências de médicos a encaminhar tais pacientes para uma avaliação psiquiátrica. No meio acadêmico, tal prática essencial é cada vez mais comum e construtiva.
No âmbito familiar, filhos e marido devem estar envolvidos nos tratamentos. A evolução que engloba os vários aspectos da saúde da mulher deve compreender também um processo de amadurecimento psicológico dos homens e familiares.
O envelhecer saudável deve ser encarado como uma dádiva, principalmente quando o preparo para tal fase se inicia precocemente e sem estereótipos. Aspectos físicos mudam, independentemente dos dispendiosos tratamentos estéticos. Daí a necessidade de nos prepararmos para as transformações interiores que o tempo exige, mudando estilo de vida, pensamento e comportamento.
Um mundo interno fortalecido substitui, com vantagem, eventuais declínios fisiológicos. Cuidem da saúde, mas não se enquadrem em neuroses da modernidade -como a eterna juventude e os protótipos de felicidade artificial-, construídas em pilares humanos frágeis que só geram angústias e perdas irreversíveis.


JOEL RENNÓ JR. é coordenador-geral do Pró-Mulher (Projeto de Atenção à Saúde Mental da Mulher, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP)

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