São Paulo, quinta-feira, 08 de maio de 2008
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MATERNIDADE

Pré-natal pós-cirurgia

Gravidez em mulheres que passaram por cirurgia para obesidade é segura,mas exige cuidados como suplementação específica e acompanhamento de equipe multidisciplinar

AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

C om cinco meses de gravidez, a costureira Jessica Boscariol, 34, às vezes fica com desejo de alguma comida especial. "Mandioca frita, macarrão com creme de leite e frango, chocolate...", enumera. Mas se fartar das guloseimas, só em sonho. Afinal, ela precisa conciliar a gestação com outro fator: a cirurgia bariátrica pela qual passou no fim de 2005 para conseguir emagrecer. Engravidar após esse tipo de cirurgia é seguro, mas é preciso que as futuras mães fiquem atentas a algumas especificidades da situação.
Dependendo do tipo de cirurgia que foi realizado, é preciso fracionar mais a alimentação ou fazer suplementação de nutrientes para assegurar o desenvolvimento do bebê. Em outros casos, os vômitos, que algumas mulheres experimentam no início da gestação, podem até afetar a cirurgia. O consumo de doces pode levar algumas pacientes a ter taquicardia, sudorese e diarréia.
Em compensação, o emagrecimento diminui os fatores de risco da obesidade durante a gestação. Na primeira gravidez, Jessica chegou a pesar 128 kg. Teve hipertensão e precisou tomar remédios. Além disso, lembra, não percebeu a barriga crescer, não sentiu os movimentos do bebê dentro de si e não pôde amamentá-lo, pois não produziu leite. Depois do nascimento de Thiago, ela queria engravidar novamente, mas não conseguia, pois, com quase 170 kg, enfrentou problemas de fertilidade.
"A gravidez em mulheres que passaram pela cirurgia tem menos riscos do que em mulheres obesas, já que o excesso de peso predispõe a problemas como diabetes gestacional", afirma Irineu Rasera Jr., cirurgião colaborador do Hospital das Clínicas da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo) de Botucatu.
Segundo Rasera, quando a solução adotada é a cirurgia, é importante que a mulher deixe para engravidar após ter atingido um peso estável, o que costuma ocorrer cerca de um ano depois da operação. "Já vi pacientes que engravidaram logo após a cirurgia e foi tudo bem. Mas, em termos emocionais e metabólicos, é melhor esperar", diz Rasera.
Uma vez grávida, é fundamental que a mulher inclua no pré-natal as visitas à equipe responsável pela operação. "A cirurgia é o primeiro passo de um tratamento que, às vezes, dura a vida inteira. A gestação deve ser acompanhada por nutricionistas e endocrinologistas", diz Luiz Vicente Berti, presidente da SBCB (Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica).

Tipos de cirurgia
De forma simplificada, as cirurgias bariátricas podem ser divididas em três tipos: restritivas, disabsortivas e mistas. Na primeira técnica, que inclui a banda gástrica (colocação de um "anel" na parte de cima do estômago, estreitando a passagem dos alimentos), há uma restrição da quantidade de alimentos que o paciente consegue ingerir. Na segunda, são feitas intervenções, como a extração do duodeno, que diminuem a capacidade de o intestino absorver os alimentos ingeridos. A mista reúne aspectos das duas técnicas.
Segundo a nutricionista Silvia Pereira, pesquisadora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), cada método demanda ações diferenciadas. "Na restritiva, deve-se fracionar mais a dieta -a gestante deve comer a cada duas horas."
Isso é importante porque o jejum prolongado pode levar ao uso das reservas de gordura do corpo para o fornecimento de energia, o que leva à criação de substâncias chamadas corpos cetônicos, que podem prejudicar o desenvolvimento dos neurônios do bebê.
Mulheres que fizeram a cirurgia disabsortiva, diz Pereira, sofrem grandes perdas de nutrientes, incluindo proteínas, fundamentais na formação de tecidos do bebê. Por isso, é necessária uma suplementação específica de proteínas, ferro, cálcio e zinco e uma quantidade maior de polivitamínico. Além disso, o cardápio da gestante deve ser rico em carnes e derivados de leite.
Na técnica mista, além das suplementações citadas, há um desafio específico: a vitamina B12, importante para o sistema neurológico tanto do bebê quanto da mãe.
Para ser absorvida pelo sistema digestivo, essa vitamina precisa de uma proteína chamada fator intrínseco. O problema é que essa proteína é produzida numa região do estômago que é extraída na cirurgia mista. A solução é tomar uma injeção intramuscular da vitamina, diz Pereira.
Além disso, diz, 40% dos pacientes que passaram por esse tipo de cirurgia costumam ter a síndrome de dumping, na qual a passagem rápida de açúcares e gorduras para o intestino pode gerar problemas. Por isso, gestantes que foram submetidas a essa técnica devem ter um especial cuidado com esses tipos de alimento.
Ainda segundo Pereira, a menor quantidade de suco gástrico -devido à diminuição do estômago- pode afetar a absorção do ácido fólico, fundamental para a formação do tubo neural do bebê. Assim, a suplementação desse nutriente deve ser feita não só nos primeiros meses, mas sim durante toda a gestação. Outra recomendação é que a gestante faça exames de sangue mensais ou, no máximo, bimestrais.
Foi esse cuidado que permitiu que a funcionária pública Marinice Colombo, 40, evitasse uma anemia em sua primeira gestação. Ela fez a cirurgia em 2003, quando pesava 106 kg, e engravidou um ano depois, com 61 kg. Como é comum nesses casos, ganhou pouco peso: 6 kg.
"Todo mês, fazia exames de sangue. Como o bebê suga muitos nutrientes, é difícil, para nós, repor só com a alimentação. Cinco vezes tive de tomar ferro na veia", conta.
Na segunda gravidez, Marinice teve um problema que, segundo especialistas, não dá para prevenir: o anel da banda gástrica saiu do lugar, alterando a passagem de alimentos. O problema pode acometer qualquer paciente -em gestantes, os vômitos freqüentes podem levar à alteração. "Eu vomitava muito e, como o anel 'dançava', às vezes não passava nada de comida", lembra Marinice. O problema foi diagnosticado após o parto, e ela retirou o anel. Mesmo assim, conseguiu manter o peso -hoje, de 58 kg.
Segundo Pereira, se a gestante que passou por um procedimento de banda gástrica vomita muito ou percebe alterações na quantidade de alimento que consegue ingerir, deve procurar a equipe responsável pela cirurgia para ver se há algum problema.


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