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Ensinada em faculdades, a musicoterapia utiliza a identidade musical do paciente para ativar o cérebro e harmonizar as emoções
Terapeutas exploram benefícios da música
Marlene Bergamo/Folha Imagem
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Naná Vasconcelos trabalhou com crianças em uma clínica de psicoterapia na França |
GIANPIERO GASPARINI - FREE-LANCE PARA A FOLHA
Um dito popular diz que "quem canta seus males espanta". Os musicoterapeutas vão além. Para eles, apenas escutar a música certa no momento adequado já provoca efeitos significativos na mente e no corpo do ouvinte. Respaldada por ciências como neurologia, psicologia, fisiologia e a própria música, a musicoterapia é, como o próprio nome indica, a aplicação da
música (som, ritmo, melodia e harmonia) com finalidades terapêuticas.
Para entender a musicoterapia, é necessário primeiro compreender a ação da
música no organismo. Ao chegarem aos
ouvidos, os sons são convertidos em impulsos que percorrem os nervos auditivos até o tálamo, região do cérebro que é
considerada a estação central das emoções, das sensações e dos sentimentos.
Os impulsos provocados pela música
no cérebro repercutem em todo o corpo e
podem ser detectados pelas novas técnicas de escaneamento cerebral -ou neuroimagem. O ritmo musical influencia os
padrões de sono e vigília, a respiração, os
batimentos cardíacos, a circulação sanguínea e as secreções de diversas glândulas, por exemplo.
Ao analisar essas alterações fisiológicas,
os especialistas conseguem desenvolver
terapias específicas para doenças físicas e
mentais e também para gerar bem-estar.
Todos podem se beneficiar da musicoterapia. Ela produz bons resultados em
pessoas com problemas de comunicação
-desde os autistas, que vivem isolados
em um mundo próprio, até os tímidos,
que têm dificuldade de expressar emoções.
Naná e as crianças
Um exemplo dos
efeitos da musicoterapia foi o trabalho
iniciado em 1971 pelo músico pernambucano Naná Vasconcelos. Quando estava
em temporada de shows na França, foi
convidado para trabalhar numa clínica
de psicoterapia infantil. Ele repetia os
sons que as crianças faziam e acrescentava outros, como se estivesse compondo
de improviso.
Depois de dois anos dessa "brincadeira
musical", todos ganharam. As cerca de 80
crianças -que apresentavam síndrome
de Down, autismo, epilepsia e distúrbios
de sociabilidade- apresentaram melhora na coordenação motora, na dicção e na
comunicação. E Naná criou boa parte das
técnicas de percussão corporal que lhe
deram reconhecimento internacional.
A arquiteta Laura Maria Capelas Fruchi, 39, resolveu procurar um musicoterapeuta ao perceber que seu filho Guilherme, 3, respondia a estímulos musicais. O menino sofre de esclerose tuberosa, doença de origem hereditária caracterizada por más-formações neurológicas,
e precisou extirpar um nódulo cerebral.
Essa cirurgia atingiu a região responsável
pela linguagem.
Há um ano e meio fazendo sessões semanais de musicoterapia, Guilherme já
demonstra progressos na comunicação e
na coordenação motora. O desafio é estimular o lado direito do cérebro para que
o órgão reorganize suas funções e consiga desenvolver a linguagem.
A musicoterapia também tem tido um
papel importante na reabilitação do músico Herbert Vianna, que sofreu traumatismo craniencefálico em um acidente
aéreo, em 2001. As lesões afetaram a memória recente. "Ao trabalhar com suas
músicas mais novas, ele está exercitando
novas redes e conexões neuronais para
reabilitar a memória", explica a doutora
em neuropsicologia Lúcia Willadino Braga, membro da equipe médica que trata o
músico no Hospital Sarah Kubitscheck,
em Brasília.
Geralmente, o tratamento com um musicoterapeuta começa com a determinação da identidade musical do paciente. A
partir do histórico musical e de um contato com instrumentos de percussão simples, o especialista identifica qual o repertório e a experiência musical que atendem às necessidades do paciente.
Essa abordagem é baseada no princípio
conhecido como "iso" ("igual", em grego), que significa que a qualidade de humor da música deve ser igual ao humor
ou à emoção de cada pessoa.
Definido o repertório básico, o musico-terapeuta propõe sessões de música passiva (só audição) ou de interação com o
paciente, utilizando instrumentos musicais. A intenção não é aprender a tocar,
mas sim desenvolver habilidades específicas, como coordenação motora, ou promover o equilíbrio emocional.
As emoções seguem um fluxo constante. Na maior parte do tempo, são passageiras e brandas. Mas, se uma emoção
domina a psique, ocorre um desequilíbrio emocional. A musicoterapia ajuda a
equalizar as emoções novamente.
Frequentadora de sessões de musicoterapia há mais de quatro anos, a pianista e
compositora Naia Sampaio, 80, diz buscar o autoconhecimento, o controle das
próprias emoções e o bem-estar por meio
da música. "O trabalho me ajudou a otimizar o conhecimento dos efeitos e dos
benefícios da música sobre mim."
Rosimary Nakano Cavalli Rodrigues,
37, bióloga e educadora, considera a música uma forma de terapia contínua. Ela
pode dar prosseguimento ao processo fora do consultório, pois o repertório baseado em sua identidade musical está
sempre à disposição. Rodrigues faz musicoterapia há três anos com o objetivo de
"equilibrar o lado racional, que é preponderante, e o emocional". Ela afirma também que a música a ajudou a reduzir o estresse em casa e no trabalho.
Controle da dor
Emoções e habilidades não são os únicos aspectos trabalhados. Renato Sampaio, professor de musicoterapia na Unaerp (Universidade de
Ribeirão Preto), desenvolve uma pesquisa com pacientes que sofrem de dor crônica, causada por disfunção da articulação temporomandibular.
Em primeiro lugar, o musicoterapeuta
identifica a música que age como "analgésico" para aquela pessoa. Depois, o paciente aprende a se distrair da dor, orientando sua percepção para a música. Isso é
possível porque a dor e a música mobilizam as mesmas regiões do cérebro para
serem processadas. "Como só passa um
estímulo por vez, a música toma o lugar
da dor", explica Sampaio.
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