São Paulo, quinta-feira, 09 de abril de 2009
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OUTRAS IDEIAS

Wilson Jacob Filho

Bravo!


[...] "VELHO" DETERMINA O QUE JÁ PASSOU, QUE É INÚTIL, MAS TAMBÉM IDENTIFICA COISAS BOAS, QUE DEIXAM SAUDADES

Com várias exclamações de "bravo" e calorosos aplausos, a plateia manifestou seu entusiasmo pelo espetáculo. Esboçando um discreto sorriso, mas com olhar nitidamente orgulhoso, o maestro agradeceu, dividindo com os músicos os méritos do sucesso.
Na confraternização que se seguiu à apresentação, transitando em meio aos convidados, ouvi diferentes comentários sobre o regente: "Ele é muito bravo; exige o máximo de cada um", diziam alguns músicos.
"Este é um bravo homem; superou obstáculos e enfrentou desafios", atestavam os curadores da orquestra.
Afastei-me por algum tempo para refletir sobre o significado de cada um dos "bravos" que acabara de ouvir. Como entendê-los em tão pouco tempo ou sendo dirigidos a uma só pessoa? Que mistura essa de sentimentos que podem ser representados pela mesma palavra?
Embora pareçam incoerentes, em verdade são condições interativas que coexistem na mesma pessoa e que podem ser responsáveis uma pela outra.
Nesse caso, embora braveza e bravura sejam atributos diferentes, a composição adequada de cada qual pode ter sido o determinante do "bravo" final. De que outra forma poderia esse maestro conseguir o melhor dos músicos sem lhes mostrar aonde poderiam chegar e, ao mesmo tempo, sem lhes abrir as portas por onde poderiam passar? Inevitavelmente, ao líder cabe liderar.
Em meio a essas divagações, procurei outras palavras que expressem, simultaneamente, ideias diferentes e que possam confundir ao serem mal interpretadas. Não foi difícil chegar a "velho": frequentemente determina aquilo que já passou, que é inútil, que precisa ser substituído, em frases como "jogue fora este sapato velho" ou "aquele carro velho vive me dando problemas".
Por outro lado, curiosamente, também identifica coisas boas, duradouras, que nos deixam saudades: "Não ríamos assim desde os velhos tempos" ou "quero que você conheça um velho amigo".
O leitor atento já percebeu que, nesses casos, a ordem dos fatores altera o resultado.
Quando o adjetivo precede o substantivo, o significado é elogioso, agradável: bravo guerreiro, velhas lembranças. Quando o sucede, em geral, exacerba os defeitos: professora brava, roupa velha.
Não me atreveria a explicar as razões desses entendimentos, mas é interessante ficarmos atentos para evitar que deles surjam preconceitos. Não há por que interpretar o adjetivo sem conhecer o contexto em que está inserido. Não conversar com o chefe porque alguém lhe disse que ele é bravo ou não ler um livro pela impressão de que já está velho podem nos privar de agradáveis e produtivas experiências.
Convido-os, de agora em diante, a serem mais criteriosos na observação da forma de expressão e interpretação dessas palavras. Certamente, os bravos velhos, homens e mulheres, que habitam o nosso cotidiano merecem mais atenção do que temos lhes destinado.


WILSON JACOB FILHO , professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de "Atividade Física e Envelhecimento Saudável" (ed. Atheneu)

wiljac@usp.br

Leia na próxima semana a coluna de Michael Kepp


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