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S.O.S. família
rosely sayão
As relações pessoais andam numa corda bamba
É difícil, hoje, encontrar alguém que não se
ocupe, de algum modo, com a qualidade
de vida. Prática de exercícios saudáveis, alimentação equilibrada e, de preferência, sem aditivos químicos, horário para o lazer e muito
mais. Mas, se há um movimento geral de investimento nesse sentido, parece não haver o mesmo na área das relações humanas. E é
impossível pensar em qualidade de vida sem
considerar os relacionamentos. O ser humano
não vive isolado, afinal. E como andam essas
relações? Pelo jeito, numa corda bamba.
Pessoas que moram num mesmo prédio ou
na mesma rua, por exemplo, são capazes de
usar o mesmo elevador ou na mesma calçada
anos seguidos sem ao menos se cumprimentar, mas, quando se trata de reclamar, estão, quase sempre, a postos.
Há quem ache que essa indiferença seja uma
coisa natural, já que o fato de duas pessoas serem vizinhas não significa que tenham algo em comum. Vá lá. Mesmo assim, é bom lembrar que só o fato de morar no mesmo prédio, rua ou bairro já significa ter muitas questões a
resolver juntos, em colaboração. No mínimo,
um "bom dia, como vai?" mostraria reconhecimento e disponibilidade para tanto.
O que dizer, então, da convivência profissional? Colegas de trabalho e de escola chegam e saem do mesmo local como se fossem quase
invisíveis: é uma falta de interação entre eles
que chega a ser surpreendente, e coleguismo é
uma palavra quase sem sentido para muitos.
Quando o trabalho exige um mínimo de interação entre as pessoas, ela é praticada em tom minimalista, e a cooperação espontânea entre
os pares é coisa rara de se encontrar. Fazer um
trabalho em grupo significa, em geral, dividir
um todo em partes e distribuí-las entre os
membro do grupo -que grupo?- para sua
execução. E ai daquele que, por um motivo ou
outro, prejudica o grupo -que grupo?-
quando não cumpre sua parte ou não a entrega no prazo determinado, por exemplo.
Que qualidade de vida é possível ter vivendo
esses tipos de relação? Por que será que nos fechamos tanto a ponto de evitar relacionamentos para cultivar uma solidão quase intolerável? O estilo de vida que assumimos -e que parece ser quase inevitável- talvez contribua
muito para essa tendência a se esquivar do outro. Assumimos muitos compromissos com nossa própria vida: há a sobrevivência, a saúde, a aparência, o conforto, a segurança, a diversão e outros itens que exigem nosso esforço
e dedicação. E relacionar-se, mesmo que sem
muita proximidade e intimidade, supõe um
mínimo de compromisso. E já temos tantos
por nos responsabilizar!
Além disso, relacionar-se significa também
comunicar-se, dialogar. E isso só é possível reconhecendo as diferenças. E as outras pessoas estão sempre a nos provocar estranhezas e
perplexidades. Não é incrível que elas tenham
opiniões tão diferentes sobre uma mesma situação, que não compartilhem das mesmas idéias a respeito de determinadas coisas? Por
isso talvez pareça mais confortável e seguro
não correr os riscos que a proximidade com os
outros possa trazer. Mas há uma ambiguidade
nessa história, porque nada é mais confortante do que a sensação de pertencer a um grupo.
Mas que grupo?
Ao mesmo tempo em que constatamos um esvaziamento das relações de cooperação entre os pares, assistimos ao desenvolvimento significativo do trabalho voluntário voltado a segmentos da população que carecem de atendimentos e cuidados básicos da vida. Que contradição é essa que nos leva a praticar o voluntariado e a ignorar a colaboração com os pares?
Talvez seja esta uma hora bem apropriada
para uma reflexão a respeito de nosso compromisso -ou a falta dele- com os relacionamentos pessoais e profissionais. Afinal, já
deu para perceber, a esta altura, que apostar
no individualismo não produz os efeitos desejados ou sonhados. Ao contrário, nos remete ao vazio de uma existência carente de sentidos e ideais.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br
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