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foco nele
Psiquiatra dedicado a famílias não-convencionais
KÁTIA FERRAZ
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Adoção de crianças de diferentes etnias, famílias compostas por casais de
homossexuais ou por casais que moram
em países diferentes são apenas alguns
dos modelos das novas relações familiares aos quais o psiquiatra e psicólogo
Vincenzo Di Nicola, 48, se dedica.
Di Nicola é chefe do atendimento de
psiquiatria infantil do Hospital Maisonneuve Rosemont, no Canadá, e professor
da Universidade de Montreal e da Universidade McGill. Ele esteve no Brasil no
mês passado para uma série de work-
shops, cujo objetivo era alertar a sociedade para a necessidade de adaptar a mente e aceitar esses novos modelos.
"Não podemos negar a nacionalidade
de uma criança adotada, fingir que essa
realidade não existe. A diversidade cultural está cada vez mais presente, e é preciso se reciclar para poder contribuir de
forma satisfatória para o equilíbrio das
gerações futuras", diz Di Nicola.
Ele conhece bem o assunto, não apenas
como estudioso, mas devido a sua própria experiência de vida, de quem possui
raízes multinacionais.
"Sou italiano, naturalizado canadense.
Também sou judeu e tenho família brasileira. É um exemplo típico. É impossível
não ter problemas culturais", diz ele. Leia
a sua entrevista abaixo.
Folha - Fale um pouco da sua formação e
do conceito de novas relações familiares.
Vincenzo Di Nicola - Sou psiquiatra, com
formação em psicólogia e pediatra. Trabalho com crianças e famílias, atuando
principalmente como psiquiatra transcultural. Procuro ajudar as pessoas a se
tornarem abertas para a sociedade atual e
adaptar a terapia para a nova realidade.
Os conceitos e as situações familiares
vêm mudando ao longo dos anos, e não
podemos fingir que isso não está acontecendo. Não é mais possível acreditar em
um único conceito de família. Existem as
famílias miscigenadas, as homossexuais,
as reconstituídas e assim vai.
Folha - O que é exatamente a psiquiatria
transcultural?
Di Nicola- É uma abordagem da psiquiatria criada em Montreal que trata de
problemas culturais, da relação de imigrantes, de minorias. O conceito de família está sofrendo uma mudança muito
grande na sociedade. Veja, por exemplo,
os imigrantes italianos ou os migrantes
nordestinos no Brasil. É uma grande
multiplicidade cultural que pode causar
problemas de adaptação. Cidades como
Amsterdã, Roterdã e outras na Europa
atraem cada vez mais imigrantes. Mas
existem outros locais, como Itália e Canadá, onde há menos criança do que o necessário. O resultado disso tudo é a procura por adoção.
Folha - E a adoção de crianças procedentes de outras nacionalidades causa necessariamente um problema no futuro?
Di Nicola - Veja bem, o que acontece é
que muitas famílias querem simplesmente apagar a nacionalidade do bebê
adotado. Cabe à mãe direcionar a aceitação do novo lar, mas sem perder a identidade. Os pais têm de enfrentar com criatividade, e não com negação.
Folha - Qual a causa dessa negação?
Di Nicola - Em muitos casos, depois de
adotar um filho, o casal acaba por ter um
filho biológico e, nesses casos, parece ignorar a origem do primeiro filho. Esses casos se acentuam mais quando a criança
adotada não é recém-nascida, pois já tem
muitos dos seus valores enraizados. Lembro-me de um casal cujos dois filhos foram adotados após a guerra civil na Guatemala. As crianças já vinham traumatizadas daquela situação, e os pais simplesmente ignoraram. Foi um longo trabalho de terapia, principalmente porque, quando iniciei o tratamento, a filha já tinha 16 e o filho, 19 anos.
Folha - E o que o casal deve fazer?
Di Nicola - O casal deve se preparar bastante antes de adotar uma criança, tentar procurar cursos que abram sua mente
para outras realidades. Assumir a nacionalidade de uma criança de outra etnia é
colaborar para o seu equilíbrio no futuro.
Negando, os pais tentam acreditar que
seus filhos são biológicos. É preciso entender que ser adotado não significa não
ser amado. Outro exemplo é o do povo
israelita, a metade dessa comunidade foi
assassinada, não dá para passar por cima.
Folha - E no caso de pais homossexuais?
Di Nicola - O processo é o mesmo. São
as diferenças culturais que contam. É por
isso que coloquei o nome do meu livro de
"Um Estranho na Família - Cultura, Famílias e Terapia". É preciso abordar tudo
com firmeza, sem esconder nada. Quando meu irmão estava morrendo de Aids,
os amigos do meu pai não visitavam a casa, psicologicamente é muito difícil. Por
isso sou a favor da verdade sempre, educar para compartilhar a vida com todas
as diferenças.
Folha - A orientação sexual dos pais pode
influenciar o comportamento dos filhos?
Di Nicola - A psicologia sugere que não,
o que influencia é não assumir, acobertar
a verdade.
Folha - Com tantas nacionalidades, como
o senhor se define?
Di Nicola Cabeça inglesa, coração italiano, alma judia, e sobre a parte brasileira ainda estou pensando, talvez algo corporal... (rindo).
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