|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
medicina
Menino ou menina?
A alta tecnologia dos exames de imagem e as descobertas da biologia molecular revelam, precocemente e em detalhes, o que se passa no útero
IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Nicolas ainda não nasceu, mas já tem o seu
primeiro álbum de
fotos. As imagens do
bebê não nascido, consideradas
"quase perfeitas" pela mãe, a
economista Roberta Nicoleto
Musico, 35, foram colecionadas
durante as inúmeras ultra-sonografias que Musico teve de
fazer durante a gestação.
A possibilidade de obter "fotos" de boa qualidade da vida
intra-uterina, que revelam detalhes como um nariz mais
achatado ou um olhinho puxado, é apenas a parte mais visível
do avanço tecnológico dos exames de gravidez. Do primeiro
registro eletrônico do batimento cardíaco fetal, gravado em
1901, ao "baby face" (imagens
do rosto do feto obtidas com ultra-sonografia 3D), a vida secreta dos bebês está, a cada dia,
mais exposta à curiosidade dos
pais e à pesquisa médica. É esta
última que justifica a parafernália tecnológica, pois, com ou
sem álbum de fotos, os exames
de última geração permitem,
de forma pouco ou nada invasiva, acompanhar o desenvolvimento da gestação, diagnosticar precocemente possíveis
problemas e controlar riscos.
Foi o caso de Musico. Na
quinta tentativa de fertilização
assistida, ela conseguiu engravidar. Mas, logo no início da
gestação, teve sangramento da
placenta. Além disso, a ultra-sonografia do colo do útero indicou a possibilidade de parto
prematuro. Para preveni-lo, foi
feita uma cerclagem (sutura no
colo do útero para evitar a dilatação antecipada) e ela passou
boa parte dos nove meses em repouso. As imagens das ultra-sonografias 3D do filho a
ajudaram a passar o período
com mais tranqüilidade. "Ver, a
cada semana, que o bebê está
perfeito faz muita diferença",
diz. Além de se garantir sobre o
bem-estar do seu filho, Musico
se beneficiou de exames que
monitoram a saúde da mãe
-como ela já teve um derrame,
o doppler do fluxo do sangue na
artéria uterina permitiu um
melhor controle de suas condições cardiovasculares.
Custo-benefício
É consenso que os exames de
alta tecnologia beneficiam as
gestantes de risco. Nas de baixo
risco, a questão ainda está em
aberto -embora, entre as que
podem arcar com o custo, seja
difícil encontrar uma que não
queira fazer pelo menos a ultra-sonografia 3D. "O lado bom
é que os exames não são invasivos. O ruim é que o rastreamento não é definitivo. Conforme o resultado, gera ansiedade
e pode levar a paciente a fazer
muitos exames desnecessários", diz Wladimir Taborda,
coordenador de ginecologia e
obstetrícia do Hospital Israelita Albert Einstein. Para Taborda, ainda não há comprovação
sobre a vantagem de aplicar vários desses exames em todas as
mulheres, principalmente levando em conta a relação entre
o custo e a efetividade deles.
A educadora Vandressa Guimarães Duarte Gaspar, 35, que
teve o seu segundo filho na semana passada, optou por fazer
vários dos exames de última geração, "só por precaução". Embora tenha passado muito bem
durante toda a gestação, acredita que os procedimentos
sempre dão mais segurança aos
pais. "Hoje é possível detectar
quase tudo, e a gente se cerca de
cuidados. Muitas mulheres
têm uma gravidez normal, e o
bebê nasce com problema de
coração, algo que pode ser descoberto antes do parto", diz.
Gaspar tem razão. Segundo
Renato Ximenes, diretor científico do Centrus (Centro de
Ultra-Sonografia e Medicina
Fetal), em cada cem bebês nascidos, um apresenta problemas
congênitos no coração. "Quase
95% dos bebês que nascem
com cardiopatias são de gestantes de baixo risco", afirma
Ximenes. Os exames disponíveis são um meio de detectar o
problema e determinar quais
medidas devem ser tomadas
para evitar complicações ou a
morte do recém-nascido.
Exame cosmético
A tendência é que mesmo os
exames mais sofisticados virem rotina. A microempresária
Vanessa Cury de Camillis Lestingi, 34, grávida de seis meses
de seu terceiro filho (uma menina), é testemunha da rapidez
dos avanços. Na gestação de
Lucas, 6, a ultra-sonografia
morfológica, hoje realizada rotineiramente, ainda era uma
novidade disponível em poucos
lugares. Ela não chegou a fazer
o exame. Quando engravidou
de Nicole, hoje com três anos,
já fez o morfológico -a novidade, então, era o doppler fluxometria (exame do fluxo sangüíneo entre placenta, cordão umbilical e bebê). Agora, na terceira gravidez, é que o doppler entrou na agenda de exames de
Lestingi. "Esse exame permite
verificar se o bebê está bem ou
se vai entrar em sofrimento fetal. É um procedimento que pode dar muita tranqüilidade para a futura mãe", diz Flávio
Garcia de Oliveira, diretor do
Centro Interamericano de Medicina Materno-Fetal.
Lestingi não é do tipo de grávida ansiosa, tampouco daquelas que adoram novidades"high-tech". A ultra-sonografia
3D, "para ver a carinha do bebê", por exemplo, ela acha que é
besteira e não vai fazer. Muitos
médicos concordam com ela.
"Fazer o exame apenas para tirar a foto do rosto do bebê no
útero é algo discutível. Qual é o
valor científico? Traz benefício
para a mãe? Há um grande debate sobre o que estão chamando de ultra-sonografia cosmética", diz Eduardo Cordioli, médico da medicina fetal do Hospital e Maternidade Santa Joana e da Pro Matre Paulista. Ele
acrescenta, porém, que o exame 3D é importante para mostrar aspectos como o volume
dos órgãos -alterações no tamanho sinalizam doenças ou
malformações.
A tecnologia também é muito útil para a prática da telemedicina, já que a imagem pode
ser gravada e enviada para diversos especialistas em qualquer parte do mundo.
Seja como for, é raro uma paciente de clínica particular que
não queira sair da consulta com
um CD personalizado com as
fotos da ultra-sonografia 3D do
bebê. Coisas de mãe, mas que,
acreditam alguns, podem servir para envolver o pai, que fica
mais "por fora" do que se passa
dentro do útero. Isso costuma
ocorrer, mas é bom lembrar
que a foto, por melhor que seja
a sua qualidade, é de um feto, e
pode gerar decepções e inseguranças. Quando a auxiliar administrativa Grasiele Bassana
Olszewsky, 25, grávida de cinco
meses, mostrou entusiasmada
a foto da ultra-sonografia 3D
para o marido, ouviu dele: "Ai,
que coisinha feia". Ela nem se
importou -se pudesse, conta,
faria um exame desses por mês;
ademais, tem certeza de que
sua filha será bem bonita.
Três dimensões
Foi com a ultra-sonografia
3D que Olszewsky soube estar
esperando uma menina. "Nos
exames anteriores, em 2D, não
dava para saber com certeza
qual o sexo", diz ela. Hoje em
dia, não é preciso esperar muito. Entre os exames de ponta
para grávidas, está o da sexagem fetal, que permite saber o
sexo do bebê a partir da oitava semana de gestação. O índice
de acertos desse teste ultrapassa os 99%.
Assim como a foto do feto, o
teste de sexagem fetal é apenas
a ponta do iceberg das possibilidades abertas para a pesquisa
da vida intra-uterina. Ele é resultado das descobertas da biologia molecular, que, junto à
tecnologia da imagem, é o futuro dos exames da gravidez.
"Descobriu-se que, desde o início da gestação, já há DNA do
feto no plasma da mãe. A biologia molecular consegue detectar quantidades minúsculas
desse DNA e pesquisar as informações que ele traz", explica
José Eduardo Levy, responsável pelo laboratório de biologia
molecular do banco de sangue
do Hospital Sírio-Libanês.
Para realizar o teste, a mãe só
precisa fazer uma coleta simples de sangue. Na maioria das
vezes, o resultado serve para
satisfazer a curiosidade dos
pais, mas, em casos de doenças
ligadas ao sexo, é uma informação que orienta médicos e pais
quanto às medidas a serem tomadas. E as pesquisas da biologia molecular avançam para
responder muito mais do que a
clássica pergunta, "é menino ou
menina?". Para Levy, "estamos
vivendo uma revolução na medicina fetal, que abriu um mundo para testes genéticos precoces não invasivos".
O teste, inócuo para a saúde
da mãe e do bebê, traz à tona
também algumas questões éticas. A principal é a possibilidade de permitir a seleção de uma
característica genética, levando
a um tipo indesejável de controle de natalidade. Levy acredita que o risco maior de isso
ocorrer é quando o teste é feito
no embrião, antes da implantação, um procedimento que não
é permitido por lei no Brasil.
Além dos aspectos éticos, a
alta tecnologia aplicada aos
exames de gravidez levanta a
questão da desumanização da
gestação e do parto.
Para Taborda, por mais paradoxal que pareça, se for bem
utilizada, essa tecnologia pode
significar um maior número de
partos sem hospitalização.
"Se posso separar o grupo de
risco, com exames seguros e
pouco invasivos, interno apenas as gestantes que precisam
de cuidados hospitalares. Para
as outras, o parto pode deixar
de ser um evento médico-cirúrgico e voltar a ser um evento sociofamiliar", afirma.
Texto Anterior: Neurociência - Suzana Herculano-Houzel: Fazer o bem é bom Próximo Texto: Exames de ponta Índice
|