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Neurociência - Suzana Herculano-Houzel
Fazer o bem é bom
Na semana passada,
minha filha fez
aniversário, e, como de hábito há
alguns anos, fiquei procurando como deixá-la especialmente feliz para celebrar
a data. Decidimos sair para
fazer comprinhas para ela e
depois levar duas amigas da
escola para uma "festa do pijama" lá em casa. De roupa
nova e olhinhos travessos radiantes, ela veio nos comunicar, escoltada por suas amigas, que "só iam dormir à
meia-noite" -horário ousado para quem acabou de fazer sete anos-, e lá se foram
para o acampamento montado na sala. Por mim, está ótimo: se ela está feliz, eu estou
feliz.
Meu lado neurocientista
de plantão não deixa o evento passar em branco, é claro.
Por que dar presentes é tão
bom? A felicidade da minha
filha ao recebê-los mexe comigo desde quando ela ainda
era pequenina: seu "Pa mim?
Aaah... muuuuuto bigada,
mamãe!" fazia meu cérebro
dar pulinhos e ficar todo mole por dentro. Ou, em termos
mais científicos, o sorriso dela fazia meu cérebro, por pura imitação, sorrir também e
ficar feliz por empatia. O
bem que fazemos aos outros
retorna ao nosso cérebro
quando vemos o resultado
estampado no rosto alheio:
fazer bem aos outros acaba
nos fazendo bem também,
ainda que isso nos custe algum dinheiro.
Mas não é só isso. Jorge
Moll, neurocientista brasileiro em pós-doutoramento
nos EUA, acaba de publicar
um estudo em que mostra
que a simples decisão de fazer o bem, muito antes de
provocar qualquer sorriso
alheio, já envolve a ativação
do sistema de recompensa
do cérebro. Decidir fazer o
bem dá prazer. E mais: o córtex subgenual, uma área envolvida na formação de laços
afetivos, também participa
de decisões altruístas e deve
nos fazer criar vínculos com
o objeto das nossas boas
ações. Meu cérebro certamente cria vínculos enormes
com minha filha quando
pensa na felicidade dela.
Claro que é possível olhar
para os dados com outra lógica. Talvez a gente só decida
fazer o bem, mesmo a nossos
filhos, porque isso dá prazer
a nós mesmos. Essa é a visão
cínica, ou ao menos cética,
do altruísmo: todo ato altruísta teria um fundo de interesse próprio.
Eu prefiro pensar que poderia ser diferente. Prefiro
pensar que meu cérebro poderia não dar a mínima para
a felicidade da minha filha e
não ter o sistema de recompensa ativado nem antes
nem depois de eu decidir deixá-la feliz. Mas não é assim.
Meu cérebro tem a capacidade sensacional de deixar minha filha feliz e, de quebra,
ainda ficar feliz com isso. Para mim, está ótimo.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "Sexo, Drogas, Rock'n'Roll & Chocolate" e de "O
Cérebro Nosso de Cada Dia" (ed. Vieira &
Lent)
suzanahh@folhasp.com.br
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