São Paulo, quinta-feira, 10 de março de 2005
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Trabalho

E-mail, internet, celular e programa de mensagens instantâneas prejudicam a concentração e provocam fenômeno moderno que psiquiatras americanos comparam ao déficit de atenção

Cibertentações

SÉRGIO RIZZO
colaboração para a Folha

Depois de tomar um café e conversar com os colegas, você se dirige ao computador para escrever o relatório cujo prazo de entrega já venceu. Mal acaba o primeiro parágrafo e o celular toca. Quando a ligação termina, minutos depois, você retoma o texto, mas já não se lembra daquilo sobre o que planejava falar no segundo parágrafo. Enquanto pensa, toca o alarme de seu programa de mensagens instantâneas. Encerrado o bate-papo virtual, apenas o primeiro de uma série, você procura retomar o texto, mas a sensação de branco, agora, é ainda maior. Checar os e-mails para ver se há alguma novidade e navegar pela internet para conferir a cotação do dólar desviam mais um pouco a sua atenção. De volta ao relatório, você resolve tomar uma atitude drástica para buscar inspiração e prosseguir: pôr os fones do tocador de MP3.
Se a cena descrita acima corresponde em linhas gerais a momentos de seu cotidiano, você talvez seja vítima de um fenômeno moderno, o déficit de atenção. Quem o provoca são os "ruídos" dos diversos artefatos eletrônicos que nos cercam, espécie de perturbação que prejudica a concentração. E, sem ela, perde-se a capacidade de focar um assunto por vez.
O psiquiatra americano John Ratey, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Harvard, chama o fenômeno de "pseudo-ADD" (referência à sigla em inglês do distúrbio do déficit de atenção). Em resumo: não se trata de caso clínico, mas de sintoma da cultura em que vivemos.
Como o uso de computadores e o acesso à internet são fatores preponderantes de distração, o tema nos EUA já se tornou objeto de pesquisa não só de psiquiatras e psicólogos, mas também de cientistas da computação. "Temos muito mais fontes de informação, e elas estão disponíveis em todo lugar: em casa, no carro, no celular. Além disso, o mundo hoje se tornou muito mais conectado do que antigamente. É comum, por exemplo, ver pessoas lendo e-mails durante reuniões", observa Alon Halevy, professor de ciência da computação da Universidade de Washington.

Tecnologia
Halevy acredita que a solução venha de tecnologias complementares. "Já temos filtros de spam que nos ajudam a ignorar muitos e-mails, mas há ferramentas em desenvolvimento que identificam se determinada mensagem deve ser lida com urgência ou não, se deve ser apenas arquivada e assim por diante", explica. O fator humano, no entanto, prevalecerá. "Nenhuma dessas tecnologias será perfeita. Elas precisam ser boas o bastante para que o usuário sinta a confiança de que apenas as mensagens importantes chegaram até ele, de modo que não precise checar a toda hora se o programa funciona", diz.
O professor Ben Bederson, diretor do Laboratório de Interação Homem-Computador da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, trabalha em interfaces que possam reduzir o poder de distração representado por duas categorias de problemas. "A primeira é mais restrita e ocorre, por exemplo, quando o sistema operacional insere um aviso no canto da tela que, supostamente, é de alguma utilidade. Na maioria dos casos, os usuários não querem essa informação, que os distrai de uma tarefa prioritária", explica.
"A outra categoria é mais abrangente e se manifesta quando diversos aplicativos abertos simultaneamente competem pela atenção do usuário. Esse problema é mais grave porque diz respeito, essencialmente, a um comportamento de quem usa o computador", observa Bederson.
Muitas pessoas têm dificuldades em se concentrar por longos períodos de tempo em tarefas difíceis e acabam, naturalmente, procurando maneiras de se afastar delas. "O problema é que, com um computador conectado à internet, há muitas e ótimas distrações", comenta. O perigo do déficit de atenção é que ele equivale a uma passagem só de ida para o país da dispersão.


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