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São Paulo, quinta-feira, 10 de abril de 2003
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s.o.s família - rosely sayão

Por que o adolescente é tão "espaçoso"

"Por que é que os filhos adolescentes são tão "espaçosos'?", pergunta a mãe de um casal de filhos de idades entre 12 e 15 anos. E ela garante que os filhos se comportam hoje do jeito que ela tanto lamenta por falta de educação e de limites. Ela conta que os educou da melhor maneira que conseguiu e que eles sempre respeitaram as regras que ela estipulou, tanto que sabem muito bem se comportar fora de casa e são muito queridos pelas famílias dos amigos. Mas há uma coisa que ela não consegue mudar: os filhos se apossaram da casa.
Quem tem filho sabe como, em geral, funciona isso. O quarto deles é sagrado: ninguém pode mexer em nada, e muitos chegam a trancá-lo com chave quando saem. Os cadernos, os bilhetes, as anotações, os telefonemas, as revistas que eles guardam, por exemplo, precisam ser totalmente respeitados.
Eles armam o maior berreiro e a maior briga quando percebem que a privacidade deles foi violada. Em compensação, eles não acham que os pais também têm o mesmo direito, não é mesmo?
Entram e saem do quarto dos pais quando precisam e querem, só largam o computador quando terminam de fazer o que querem, e o mesmo vale para o telefone, que costumam ocupar durante um bom tempo, por sinal. O controle remoto da televisão sempre tem de ficar na mão deles e, quando escapa, é um humor de causar arrepios.
Um outro pai quer saber por que os filhos, quando precisam de algo dos pais, sempre exigem para ontem e não importa o sacrifício que isso custe aos pais: levar para onde querem ir e depois buscar, sem considerar se é hora de trabalho dos pais ou se estes têm algo planejado para aquele horário, por exemplo. Ou fazer a mãe sair de casa na correria para levar ao colégio a camiseta da educação física porque ele esqueceu e, sem ela, vai ficar com falta na aula.
Em compensação, eles não acham que os pais merecem o mesmo tratamento, não é verdade? Quando lhes é solicitado que façam algo, em geral respondem "agora não posso, estou ocupado". Ou dizem que mais tarde vão fazer, mas logo esquecem. E nem é preciso ter filhos adolescentes para observar esse comportamento, já que, desde pequenos, eles se comportam assim. Por que será que isso ocorre, mesmo com o maior empenho da parte dos pais?
Vale a pena considerar que o estilo de vida adotado no mundo atual coloca os filhos em um lugar central na vida dos pais. A partir de uma certa idade, o sonho de muitas pessoas -tanto homens como mulheres- é ter um filho. Casar-se e manter a família não tem a mesma importância que o filho tem. E, depois do nascimento, toda a vida é centrada nele.
Trabalhar para ter condições de oferecer uma boa educação -e isso, em geral, significa matricular em uma boa escola- e para prover a vida dele, para permitir que tenha o lazer necessário e estruturar o cotidiano a fim de que o filho possa ser atendido em suas necessidades, dar uma boa assistência médica etc. Enfim, o filho passa a ter um lugar central na imaginação e no planejamento de vida dos pais. Mas nem sempre isso resulta em conversas, companhia, boa formação ou disponibilidade para educar e paciência para aturar os conflitos que essa prática cria, por exemplo.
Nos dias atuais, faz bem aos pais pensar que não estão sozinhos nesta vida, que têm os filhos como companhia. E essa idéia cria quase uma dependência dos pais em relação aos filhos.
Ora, é claro que os filhos percebem a importância que têm para os pais e logo se dão conta de que isso pode ser explorado: pedem algo uma primeira vez; se não são atendidos, esperneiam, reclamam e conseguem -e pronto. Em vez de pedir, eles passam a exigir que os pais girem em torno deles. Eles se comportam como os donos do pedaço e -cá entre nós- os pais sentem até um certo orgulho por isso.
Talvez seja possível mudar um pouco o enfoque: o mais importante para quem tem filhos é educá-los, e não servi-los.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br.


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