São Paulo, quinta-feira, 10 de junho de 2004
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s.o.s. família

rosely sayão

Atitude de filho é uma na escola e outra em casa

Os filhos se comportam na escola da mesma maneira como em casa? Em um dos textos publicados aqui sobre a relação entre família e escola, apontei algumas diferenças entre filho e aluno. Agora uma leitora pede a a volta desse assunto. O filho dela -de quase nove anos- é, em casa, "um amor de criança". A maior parte do tempo obedece, tem boas maneiras, não fala palavrões cabeludos e é respeitoso com os adultos. Ela tem uma única queixa importante: o garoto não leva o estudo com seriedade.
Foi por essa razão que a mãe estabeleceu uma relação de grande proximidade com a escola. Ela busca conhecer melhor a vida escolar do filho para saber como proceder em casa, visando a um melhor aproveitamento nos estudos. Nesses contatos com a escola, ela ficou sabendo que lá o filho é bem diferente. Está sempre envolvido nas confusões de sua classe, é desorganizado e desatencioso com seu material e pouco educado com a professora e com os colegas. Aliás, ao manifestar à professora sua perplexidade em relação a esse comportamento, ela ouviu uma frase que a incomodou bastante: "Seu filho é uma brasa encoberta". Foi assim que ela se lembrou do assunto discutido anteriormente aqui.
O filho dessa leitora é educado em casa de acordo, principalmente, com os afetos familiares. Assim, desde pequeno ele aprende a fazer ou a não fazer determinadas coisas, a obedecer ou a arriscar por puro receio de perder o amor dos pais e/ou com o intuito de agradar-lhes e de testar o amor do qual é alvo.
Muitos pais não se dão conta da maneira como encaram -e, portanto, autorizam- as travessuras e as pequenas desobediências do filho ainda pequeno. "Desse tamanho e já sabe o que quer, ele batalha para conseguir seu objetivo com toda a energia que tem!" Esse é um comentário comum de mães a respeito da birra do filho. É feito com um orgulho incontido, que não passa despercebido pela criança. Dessa maneira, muito freqüentemente, os pais apóiam atitudes dos filhos que deveriam ser reprimidas.
Além disso, há o sonho dos pais em relação aos filhos e também a "antena" que toda criança possui. Sempre direcionada para os pais, ela capta boa parte dos anseios deles em relação ao seu modo de ser. Assim suas atitudes e seus comportamentos são fortemente influenciados também por essa referência.
Na escola, o filho se liberta de toda essa pressão. Lá, ele se permite ser desobrigado de obedecer às regras que aprendeu em casa. Se os pais não o vêem, ele pode fazer o que quer, já que, em casa, ele não faz porque os pais não aprovariam. Essa é a lógica que rege a diferença de comportamento de muitas crianças chamadas de "brasa encoberta".
O que o aluno não sabe, mas aprenderá na escola, é que existem regras que administram a convivência de tanta gente diferente que se encontra no espaço público. Essa é uma das funções da escola, por sinal.
Pela idade do filho da leitora, ele deve estar na terceira série do ensino fundamental. É justamente nesse período que os professores começam a enfrentar a chamada "indisciplina" de modo mais sistemático. É que boa parte dos alunos demora mais ou menos uns dois anos para se apropriar do espaço escolar e, só então, sentir-se à vontade para explorar o ambiente e checar até onde podem ir.
Já outros, mais ousados e corajosos, fazem isso desde a primeira série. Isso sem esquecer que, na escola, o aluno é parte de um grupo, é mais um em meio a tantos. Aí reside a importância do trabalho dos professores e do projeto da escola.
Portanto os pais e os professores não devem estranhar atitudes diversas da criança quando está em casa e quando está na escola. Isso é muito salutar. O que não é saudável é a criança ter sempre o mesmo comportamento em todas as situações que vive, em todos os papéis sociais que exerce. Por acaso algum pai ou professor vive desse modo?


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha), entre outros; e-mail: roselys@uol.com.br


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