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PSICOLOGIA
A terapia cai na rede
Por timidez, dificuldades de locomoção ou apóa uma mudança de cidade, pacientes recorrem ao atendimento psicológico via internet; prática divide especialistas
Marisa Cauduro/Folha Imagem
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Anderson Xavier, psicólogo
JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Cidades diferentes, dificuldade de locomoção, necessidade extrema de sigilo. São
vários os motivos que têm levado pacientes em todo o mundo
a buscar orientação psicológica
ou psicoterapia pela internet
-tanto em bate-papos virtuais
por programas como Skype ou
MSN Messenger quanto por e-mail, com ou sem webcam.
Diversos estudos internacionais buscam entender os efeitos da psicoterapia à distância,
como um trabalho realizado
com 297 pacientes britânicos,
divulgado em agosto numa edição especial sobre saúde mental da revista "Lancet".
Constatou-se que a terapia
cognitivo-comportamental via
internet é mais efetiva para tratar depressão do que uma simples consulta com clínico-geral,
desde que realizada em tempo
real (em conversas virtuais). Isso mostra que o acompanhamento psicológico pela internet pode surtir efeito.
A cirurgiã Adriana Brasil Moreira, 37, aprova a técnica. Ela
morava no Rio de Janeiro e fez
acompanhamento psicológico
durante um ano com uma especialista com quem adquiriu
muita afinidade. Ela teve de se
mudar para Piracicaba, no interior de São Paulo.
"Queria continuar fazendo
terapia, mas não confiava em
mais ninguém. Sou médica e sei
o quanto qualquer tipo de intervenção é séria, principalmente a psicológica. Além disso, meus horários são muito fora do comum, tenho pouco
tempo livre", diz. Ela propôs à
especialista carioca que continuassem a terapia por meio de
webcam, uma vez por semana,
durante uma hora.
Há cerca de dois anos, Adriana faz terapia pela internet e
obteve bons resultados. "Foi
muito importante. Não é igual,
mas temos o mesmo ritmo de
pensamento e conseguimos
nos adaptar de uma forma perfeita, porque foi a única opção
que me restou. Foi melhor do
que fazer com alguém com
quem eu não me identificasse.
Quando existe resultado num
tipo de tratamento, vale a pena
adaptar a forma em prol do
conteúdo. Em vez de mudar o
terapeuta, mudei a forma", diz.
O acompanhamento pela internet em casos de mudança de
cidade tem ocorrido com frequência. Em alguns casos, o paciente segue com o psicólogo
antigo até encontrar outro especialista na nova localidade.
Em outros, decide continuar o
tratamento por falta de opção
-o que ocorre porque está em
um país onde não compreende
muito bem a língua ou quando
não encontra um terapeuta em
quem confie.
No entanto, o CFP (Conselho
Federal de Psicologia) limita a
prática no país e autoriza somente o que define como
orientação psicológica. "Não
existe nenhuma regulamentação sobre isso [continuar o
acompanhamento a distância].
Se o paciente sofre um transtorno grave e surta e o profissional não está no local, ele tem
de responder eticamente por
isso. Resolver uma questão
pontual com a ajuda do e-mail é
uma coisa, fazer o tratamento é outra", alerta Andréia Nascimento, conselheira do CFP.
Enquanto a terapia tem tempo indeterminado e trabalha
diversas questões relacionadas
à vida do paciente, a orientação
visa ajudá-lo a resolver um problema pontual, como a escolha
da profissão que quer seguir ou
alguma dificuldade sexual específica, entre outras questões.
De acordo com o CFP, não
existem pesquisas brasileiras
que mostrem resultados satisfatórios da prática a longo prazo. "Não podemos afirmar que
uma coisa que é boa no Japão
vai ser boa aqui. Então, é preciso que sejam feitas pesquisas
aqui. Enquanto fica apenas no
que pensam os psicólogos, não
podemos fazer nada", afirma
Nascimento.
A psicoterapia pela internet
só é autorizada no país para a
realização de pesquisas. Nesse
caso, o pesquisador precisa registrar seu projeto junto ao
Conselho Nacional de Saúde,
que deverá aprovar o trabalho.
O conselho tem a mesma opinião sobre o acompanhamento
psicológico por telefone, prática também utilizada por alguns
especialistas. "Não está na lei,
mas isso não quer dizer que pode fazer. É preciso que o profissional se embase cientificamente, procure o conselho regional para saber se é possível
ou não fazer", diz Nascimento.
Alguns grupos buscam estudar e definir as diferenças entre
a orientação psicológica e a psicoterapia e defendem que, se
em algum momento a psicoterapia via internet for aprovada
no Brasil, deverão ser desenvolvidas novas técnicas e formas de trabalho, diferentes da
maneira como a psicoterapia
convencional é conduzida hoje.
"Existe uma tendência mundial de que a tecnologia seja
usada de formas úteis e criativas. Acredito que seja preciso
criar novas formas de intervenções terapêuticas -um método
de trabalho de caráter terapêutico diferente da psicoterapia como conhecemos hoje. Não é
apenas transpor a terapia convencional para a internet, mas
sim estudar como seria a terapia mediada por essa via", afirma Rosa Farah, coordenadora
do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da PUC
(Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo.
Orientação psicológica
No núcleo da PUC, os psicólogos pesquisam a eficácia da
orientação psicológica por e-mail. O grupo oferece o serviço
gratuitamente (informações: nppi@pucsp.br). Em geral, há
até quatro trocas de e-mail com
o paciente, que quer resolver
uma questão específica.
Em alguns casos, o psicólogo
identifica a necessidade de um
tratamento presencial e encaminha o paciente a um consultório; em outros, o caso pode
ser resolvido por outro tipo especialista -como mães que
têm dúvidas sobre o desenvolvimento do filho, por exemplo,
e teriam uma melhor orientação com um pediatra.
"Observamos que, em algumas situações, a internet pode
ser de grande ajuda. Esses recursos, quando usados de forma apropriada, podem ser efetivos de outras maneiras, principalmente para uma população que está muito familiarizada com o uso da informática",
acrescenta Farah.
Ela cita como exemplo os viciados em computador ou internet. "Dificilmente eles vão
de cara para o consultório. São
muito mais abertos para a
orientação via e-mail."
Além do e-mail, há psicólogos que utilizam ferramentas
de bate-papo virtual em tempo
real para acompanhar seus pacientes, seguindo os moldes autorizados pelo CFP.
Como a orientação psicológica ocorre por tempo determinado, o paciente já sabe no início da terapia quantas sessões
ocorrerão -geralmente não ultrapassam dez.
O psicólogo Fábio Caló, do
Instituto de Psicologia Aplicada, em Brasília, oferece esse tipo de atendimento há nove
anos e considera que o serviço
de orientação on-line traz bons
resultados quando é possível
ajudar a pessoa a definir uma
conduta em um prazo curto.
"Observo que cada vez mais
as pessoas estão abertas a procurar esse tipo de serviço. Essa
mudança toda que as facilidades tecnológicas têm gerado
tem sido vista de forma útil. As
pessoas vêm com o discurso decidido, entram no clima de que
estão aderindo a uma proposta
de busca e orientação", explica.
O procurador Guilherme
(nome fictício), 47, e sua mulher precisavam resolver problemas sexuais, mas, por morarem em uma cidade pequena e
serem extremamente conhecidos, tinham receio de fazer um
acompanhamento psicológico
naquele local.
Por isso, o casal foi para uma
cidade maior durante as férias e
realizou sessões presenciais
nesse período. Então, o psicólogo ofereceu a possibilidade de
continuarem as sessões pela internet -uma vez que o problema que precisava ser resolvido
era objetivo.
"Ficamos surpresos. Nunca
tínhamos ouvido falar disso.
Mas, como houve uma empatia
muito grande com o terapeuta,
decidimos continuar a terapia a
distância por webcam, às vezes
eu sozinho, às vezes somente
minha mulher e, até mesmo,
nós dois juntos", conta.
Para ele, o único problema
foram as falhas de conexão da
internet que ocorreram durante o tratamento. "Para ser sincero, não acreditava que resolveria meus problemas nem pela internet nem de forma presencial. Mas a orientação on-line me ajudou muito, não vi diferença nenhuma na prática.
Consegui me expressar da mesma maneira, com as mesmas
emoções", entusiasma-se.
O psicólogo Anderson Xavier, do Instituto de Saúde Cognitiva Aplicada, trabalha com
orientação pela internet desde
2006 e acredita que a orientação psicológica é suficiente em
casos pontuais. Ele diz que 20%
dos que procuram o instituto
são diretamente encaminhadas
para a psicoterapia presencial.
"Já fizemos mais de mil consultas. A procura não é grande
se pensarmos na demanda brasileira, mas está crescendo. No
entanto, é preciso conhecer
muito bem a psicologia para
perceber se o paciente deve fazer orientação ou buscar a psicoterapia", aconselha.
Polêmica
Uma das principais questões
levantadas com relação a esse
tipo de prática é a falta de vínculo entre o paciente e o profissional. Para alguns especialistas, a internet dificulta e, em algumas situações, até impede
que se estabeleça uma ligação
entre as partes. E, para eles, a
falta de vínculo dificulta a superação dos problemas, ainda que
em curto prazo.
"Questiona-se se a relação
virtual garante o vínculo necessário para que a relação terapêutica possa ocorrer. São
questões mais teóricas da psicologia", diz Farah, da PUC.
Para Suely Gevertz, psicanalista e coordenadora da comissão de divulgação institucional
da Sociedade Brasileira de Psicanálise, dificilmente é possível
fazer um trabalho de ordem
subjetiva com qualquer tipo de
intermediário.
"Acho que é difícil mesmo
com psicoterapia breve. A fala
humana é mais do que as palavras emitidas, ela tem um tempo de emissão, tem um som,
tem uma respiração... Tudo isso
vai com a fala quando você está
presente. São informações importantes para o terapeuta", argumenta Gevertz.
Entretanto, um estudo realizado em 2006 pelo psicólogo
Oliver Zancul para seu mestrado na USP (Universidade de
São Paulo) sugeriu que é possível a formação de vínculos entre terapeuta e paciente, ainda
que o acompanhamento seja
feito pela internet.
Zancul avaliou 50 duplas formadas por especialista e paciente que se comunicavam por
meio de um fórum de discussão
-o paciente deixava a mensagem e o terapeuta respondia
em outro momento.
Após 15 semanas de acompanhamento, ele mediu a relação
de vínculo de ambas as partes
por meio de questionários. O
resultado foi positivo.
"Para mim, esse trabalho é
possível. O principal é que, por
ser via internet, somente pessoas que estão habituadas a
usar a rede e se comunicar por
ela tirarão benefícios. Tem gente que não se comunica muito
pela internet e talvez não se beneficie", diz Zancul.
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