São Paulo, quinta-feira, 10 de setembro de 2009
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PSICOLOGIA

A terapia cai na rede

Por timidez, dificuldades de locomoção ou apóa uma mudança de cidade, pacientes recorrem ao atendimento psicológico via internet; prática divide especialistas

Marisa Cauduro/Folha Imagem
Anderson Xavier, psicólogo

JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Cidades diferentes, dificuldade de locomoção, necessidade extrema de sigilo. São vários os motivos que têm levado pacientes em todo o mundo a buscar orientação psicológica ou psicoterapia pela internet -tanto em bate-papos virtuais por programas como Skype ou MSN Messenger quanto por e-mail, com ou sem webcam.
Diversos estudos internacionais buscam entender os efeitos da psicoterapia à distância, como um trabalho realizado com 297 pacientes britânicos, divulgado em agosto numa edição especial sobre saúde mental da revista "Lancet".
Constatou-se que a terapia cognitivo-comportamental via internet é mais efetiva para tratar depressão do que uma simples consulta com clínico-geral, desde que realizada em tempo real (em conversas virtuais). Isso mostra que o acompanhamento psicológico pela internet pode surtir efeito.
A cirurgiã Adriana Brasil Moreira, 37, aprova a técnica. Ela morava no Rio de Janeiro e fez acompanhamento psicológico durante um ano com uma especialista com quem adquiriu muita afinidade. Ela teve de se mudar para Piracicaba, no interior de São Paulo.
"Queria continuar fazendo terapia, mas não confiava em mais ninguém. Sou médica e sei o quanto qualquer tipo de intervenção é séria, principalmente a psicológica. Além disso, meus horários são muito fora do comum, tenho pouco tempo livre", diz. Ela propôs à especialista carioca que continuassem a terapia por meio de webcam, uma vez por semana, durante uma hora.
Há cerca de dois anos, Adriana faz terapia pela internet e obteve bons resultados. "Foi muito importante. Não é igual, mas temos o mesmo ritmo de pensamento e conseguimos nos adaptar de uma forma perfeita, porque foi a única opção que me restou. Foi melhor do que fazer com alguém com quem eu não me identificasse. Quando existe resultado num tipo de tratamento, vale a pena adaptar a forma em prol do conteúdo. Em vez de mudar o terapeuta, mudei a forma", diz.
O acompanhamento pela internet em casos de mudança de cidade tem ocorrido com frequência. Em alguns casos, o paciente segue com o psicólogo antigo até encontrar outro especialista na nova localidade. Em outros, decide continuar o tratamento por falta de opção -o que ocorre porque está em um país onde não compreende muito bem a língua ou quando não encontra um terapeuta em quem confie.
No entanto, o CFP (Conselho Federal de Psicologia) limita a prática no país e autoriza somente o que define como orientação psicológica. "Não existe nenhuma regulamentação sobre isso [continuar o acompanhamento a distância]. Se o paciente sofre um transtorno grave e surta e o profissional não está no local, ele tem de responder eticamente por isso. Resolver uma questão pontual com a ajuda do e-mail é uma coisa, fazer o tratamento é outra", alerta Andréia Nascimento, conselheira do CFP.
Enquanto a terapia tem tempo indeterminado e trabalha diversas questões relacionadas à vida do paciente, a orientação visa ajudá-lo a resolver um problema pontual, como a escolha da profissão que quer seguir ou alguma dificuldade sexual específica, entre outras questões.
De acordo com o CFP, não existem pesquisas brasileiras que mostrem resultados satisfatórios da prática a longo prazo. "Não podemos afirmar que uma coisa que é boa no Japão vai ser boa aqui. Então, é preciso que sejam feitas pesquisas aqui. Enquanto fica apenas no que pensam os psicólogos, não podemos fazer nada", afirma Nascimento.
A psicoterapia pela internet só é autorizada no país para a realização de pesquisas. Nesse caso, o pesquisador precisa registrar seu projeto junto ao Conselho Nacional de Saúde, que deverá aprovar o trabalho.
O conselho tem a mesma opinião sobre o acompanhamento psicológico por telefone, prática também utilizada por alguns especialistas. "Não está na lei, mas isso não quer dizer que pode fazer. É preciso que o profissional se embase cientificamente, procure o conselho regional para saber se é possível ou não fazer", diz Nascimento.
Alguns grupos buscam estudar e definir as diferenças entre a orientação psicológica e a psicoterapia e defendem que, se em algum momento a psicoterapia via internet for aprovada no Brasil, deverão ser desenvolvidas novas técnicas e formas de trabalho, diferentes da maneira como a psicoterapia convencional é conduzida hoje.
"Existe uma tendência mundial de que a tecnologia seja usada de formas úteis e criativas. Acredito que seja preciso criar novas formas de intervenções terapêuticas -um método de trabalho de caráter terapêutico diferente da psicoterapia como conhecemos hoje. Não é apenas transpor a terapia convencional para a internet, mas sim estudar como seria a terapia mediada por essa via", afirma Rosa Farah, coordenadora do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo.

Orientação psicológica
No núcleo da PUC, os psicólogos pesquisam a eficácia da orientação psicológica por e-mail. O grupo oferece o serviço gratuitamente (informações: nppi@pucsp.br). Em geral, há até quatro trocas de e-mail com o paciente, que quer resolver uma questão específica.
Em alguns casos, o psicólogo identifica a necessidade de um tratamento presencial e encaminha o paciente a um consultório; em outros, o caso pode ser resolvido por outro tipo especialista -como mães que têm dúvidas sobre o desenvolvimento do filho, por exemplo, e teriam uma melhor orientação com um pediatra.
"Observamos que, em algumas situações, a internet pode ser de grande ajuda. Esses recursos, quando usados de forma apropriada, podem ser efetivos de outras maneiras, principalmente para uma população que está muito familiarizada com o uso da informática", acrescenta Farah.
Ela cita como exemplo os viciados em computador ou internet. "Dificilmente eles vão de cara para o consultório. São muito mais abertos para a orientação via e-mail."
Além do e-mail, há psicólogos que utilizam ferramentas de bate-papo virtual em tempo real para acompanhar seus pacientes, seguindo os moldes autorizados pelo CFP.
Como a orientação psicológica ocorre por tempo determinado, o paciente já sabe no início da terapia quantas sessões ocorrerão -geralmente não ultrapassam dez.
O psicólogo Fábio Caló, do Instituto de Psicologia Aplicada, em Brasília, oferece esse tipo de atendimento há nove anos e considera que o serviço de orientação on-line traz bons resultados quando é possível ajudar a pessoa a definir uma conduta em um prazo curto.
"Observo que cada vez mais as pessoas estão abertas a procurar esse tipo de serviço. Essa mudança toda que as facilidades tecnológicas têm gerado tem sido vista de forma útil. As pessoas vêm com o discurso decidido, entram no clima de que estão aderindo a uma proposta de busca e orientação", explica.
O procurador Guilherme (nome fictício), 47, e sua mulher precisavam resolver problemas sexuais, mas, por morarem em uma cidade pequena e serem extremamente conhecidos, tinham receio de fazer um acompanhamento psicológico naquele local.
Por isso, o casal foi para uma cidade maior durante as férias e realizou sessões presenciais nesse período. Então, o psicólogo ofereceu a possibilidade de continuarem as sessões pela internet -uma vez que o problema que precisava ser resolvido era objetivo.
"Ficamos surpresos. Nunca tínhamos ouvido falar disso. Mas, como houve uma empatia muito grande com o terapeuta, decidimos continuar a terapia a distância por webcam, às vezes eu sozinho, às vezes somente minha mulher e, até mesmo, nós dois juntos", conta.
Para ele, o único problema foram as falhas de conexão da internet que ocorreram durante o tratamento. "Para ser sincero, não acreditava que resolveria meus problemas nem pela internet nem de forma presencial. Mas a orientação on-line me ajudou muito, não vi diferença nenhuma na prática. Consegui me expressar da mesma maneira, com as mesmas emoções", entusiasma-se.
O psicólogo Anderson Xavier, do Instituto de Saúde Cognitiva Aplicada, trabalha com orientação pela internet desde 2006 e acredita que a orientação psicológica é suficiente em casos pontuais. Ele diz que 20% dos que procuram o instituto são diretamente encaminhadas para a psicoterapia presencial.
"Já fizemos mais de mil consultas. A procura não é grande se pensarmos na demanda brasileira, mas está crescendo. No entanto, é preciso conhecer muito bem a psicologia para perceber se o paciente deve fazer orientação ou buscar a psicoterapia", aconselha.

Polêmica
Uma das principais questões levantadas com relação a esse tipo de prática é a falta de vínculo entre o paciente e o profissional. Para alguns especialistas, a internet dificulta e, em algumas situações, até impede que se estabeleça uma ligação entre as partes. E, para eles, a falta de vínculo dificulta a superação dos problemas, ainda que em curto prazo.
"Questiona-se se a relação virtual garante o vínculo necessário para que a relação terapêutica possa ocorrer. São questões mais teóricas da psicologia", diz Farah, da PUC.
Para Suely Gevertz, psicanalista e coordenadora da comissão de divulgação institucional da Sociedade Brasileira de Psicanálise, dificilmente é possível fazer um trabalho de ordem subjetiva com qualquer tipo de intermediário.
"Acho que é difícil mesmo com psicoterapia breve. A fala humana é mais do que as palavras emitidas, ela tem um tempo de emissão, tem um som, tem uma respiração... Tudo isso vai com a fala quando você está presente. São informações importantes para o terapeuta", argumenta Gevertz.
Entretanto, um estudo realizado em 2006 pelo psicólogo Oliver Zancul para seu mestrado na USP (Universidade de São Paulo) sugeriu que é possível a formação de vínculos entre terapeuta e paciente, ainda que o acompanhamento seja feito pela internet.
Zancul avaliou 50 duplas formadas por especialista e paciente que se comunicavam por meio de um fórum de discussão -o paciente deixava a mensagem e o terapeuta respondia em outro momento.
Após 15 semanas de acompanhamento, ele mediu a relação de vínculo de ambas as partes por meio de questionários. O resultado foi positivo.
"Para mim, esse trabalho é possível. O principal é que, por ser via internet, somente pessoas que estão habituadas a usar a rede e se comunicar por ela tirarão benefícios. Tem gente que não se comunica muito pela internet e talvez não se beneficie", diz Zancul.


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