São Paulo, quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010 |
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OUTRAS IDEIAS A gente se esquece
Vanessa Redgrave, num filme que peguei pela metade e nem sei o nome, sai do banho e se olha no espelho. Assombro nos olhos que redescobrem sua própria velhice. "Eu me esqueço...", ela diz. A gente se esquece.... Recordei a cena numa conversa com uma amiga sobre nosso envelhecimento. Não falávamos disso, um ano atrás. É estranho pensar que há um relógio contando o tempo do qual nos distraímos. Não posso dizer que o clima da conversa fosse a melancolia nem propriamente a tristeza -ou, ainda, a agonia da perda de um rosto jovem e de um corpo firme. Nem entramos naquele papo de que desejaríamos ter a sabedoria de agora com um corpinho de 20. Estávamos preocupadas com garantias para um bom futuro e uma boa velhice. Minha amiga quer mudar o ritmo do trabalho. Quer mais horas para o lazer, os amigos, o filho, os parentes, o papo pro ar. Dizia que o fôlego, que aos 40 anos tinha de sobra, começava a faltar. Acho que é verdade que o vigor vital diminui, mas o desejo por essas coisas às quais, quando nos tornamos adultos, nos entregamos com voracidade, acaba. Mais dinheiro, reconhecimento, bens, status, poder... Isso tudo vai perdendo a graça. A vontade muda de rumo. Mas que a vontade refaça seu destino pode até ser bom. O que angustia é não saber se poderemos garantir nosso próprio sustento, numa época em que teremos menos força de trabalho e mais carências. Se haverá quem cuide de nós, se precisarmos. E que nos ame. Vinga na sociedade a ideia de que a velhice é um mal, um acidente e está sempre acompanhada de penúria e solidão. Nossos receios caminhavam por aí, até que minha amiga se deu conta de que não podia impingir à sua velhice uma indigência que ela não teria. Bem ou mal, tem casa, INSS e condições de comprar um imóvel para renda. E pode gastar menos sem ter que viver em privação! Essa constatação nos trouxe alívio, pois temos situação parecida. De repente, nos pareceu que poderíamos ter algum controle sobre a velhice. Antecipá-la na imaginação era poder nos prover um bom viver. Preparar o cenário da própria velhice é muito diferente do que já fiz até agora. Aprontar uma profissão, uma casa, um pecúlio... Tudo tem o tom de mais vida, de pujança, de produção. Preparar a velhice é arrumar a proteção. Minha amiga tem razão quando diz que não podemos nos impor uma indigência que não teremos, mas, ainda assim, não podemos afastar de nós a fragilidade e a finitude. Entendi, agora, o que no filme "Feitiço da Lua" uma senhora, cujo marido a traíra com uma mulher mais jovem, quis dizer com isso: "Ele me trai porque tem medo da morte". Apaixonar-se é começar. E todo amor se quer eterno. A paixão nos faz jovens, e a vida parece ficar mais longa e infinita. Por isso, a gente gosta mesmo é de preparar novos começos e se sente desajeitada em cuidar de fins. DULCE CRITELLI , terapeuta existencial e professora de filosofia da PUC-SP, é autora de "Educação e Dominação Cultural" e "Analítica de Sentido" e coordenadora do Existentia - Centro de Orientação e Estudos da Condição Humana dulcecritelli@existentia.com.br Leia na próxima semana a coluna de Anna Veronica Mautner Próximo Texto: Correio Índice |
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