|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
s.o.s família
Impor limites à força, mas sem violência
Outro dia estive conversando com pais de
crianças de até seis anos, a convite da escola, a respeito de um assunto que não se esgota nunca, pelo menos para os pais que têm de,
diariamente, dar conta da educação dos filhos:
os tais limites. Foram tantas as questões que eles fizeram, que em determinado momento
eu me fiz algumas: será que os pais têm tantas
dúvidas assim a respeito dos limites que precisam impor aos filhos no processo educativo?
Será que eles não têm parâmetros e/ou referenciais que os norteiem nas atitudes que tomam com os filhos? Será que não suportam
ver o filho sofrer com a frustração e, por isso,
não conseguem colocar os limites necessários,
que fazem parte da vida? Ou será que eles querem delegar a outros essa responsabilidade
para não arcar com o custo dela, que muitas
vezes toma a forma de culpa?
Não, não creio em nenhuma dessas alternativas nem em outra parecida. E, para tentar
entender um pouco mais essa angústia dos
pais -sim, angústia que se expressa de modos tortuosos e assume cara de dúvida pedagógica, mas angústia-, vou aproveitar a
questão que uma mãe propôs e que me permitiu ter uma diferente interpretação do embaraço dos pais ante a sua missão.
Estávamos conversando a respeito da dificuldade que a criança de até seis anos tem de
atender de imediato um pedido, uma ordem
ou uma orientação dos pais e tentando compreender que isso não é apenas teimosia pura
e simples, mas uma forma própria de viver
nesse período da vida, em que a criança ainda
não tem autonomia sobre si mesma para conseguir desviar, só com a ajuda das palavras dos
pais, sua atenção e seu interesse. Surgiu então
o exemplo da hora do banho e de como a
criança empurra sempre para um bocadinho
mais tarde tal função. Se os pais não criam
uma estratégia que funcione, a criança vai ficar horas enrolando os pais e não vai tomar
seu banho.
Bem, o papo evoluiu e, como decorrência,
surgiu a questão do castigo, da sanção. A essa
altura, uma mãe perguntou se era adequado
deixar a filha sem almoçar caso ela não atendesse seus chamados na hora em que a comida estava servida para que, desse modo,
aprendesse a respeitar a rotina da casa. Como
a criança tem só quatro anos, sugeri que os
pais fizessem mais do que chamar a filha: que,
de algum modo, ajudassem a criança a chegar
à mesa. Foi então que a mãe retrucou: "Mas
devo trazê-la à força?!".
Aí está uma questão que incomoda e confunde os pais em muitos momentos: a hora de
fazer o filho cumprir ou atender certas regras.
Sim, devo dizer que é à força, mas não no sentido agressivo que essa expressão imprime a
quem teme um tipo de educação autoritária, e
sim no sentido da firmeza de quem sabe o que
é melhor para a criança. Alguém duvida de
que a criança troque a hora de comer por uma
brincadeira, a hora de dormir por um programa enfadonho de televisão ou a hora de tomar
banho por mais um tempo sem fazer nada?
Não, ninguém que tenha bom senso espera
que a criança compreenda que isso é melhor
para ela. Mais tarde, ela poderá compreender,
mas não na primeira infância. É por isso que
os pais devem tomar a atitude necessária para
que ela faça o quer deve ser feito.
Esse "à força" que assusta tanto os pais não
os impede de levar o filho aos prantos para tomar as vacinas necessárias, levá-lo ao dentista,
de deixar a criança na escola. Nesses momentos importantes, os pais não titubeiam: agem.
Mesmo à revelia da vontade dos filhos. Por
quê? Porque sabem que o filho não tem condição de tomar essa decisão sozinho.
Pois essa mesma convicção eles devem ter
nos momentos simples de todo dia, como na
hora de tomar banho ou de almoçar. Mas que
fique claro: "à força" pode ser -e sempre é
melhor que seja- na brincadeira, na estratégia criativa, na paciência. E essa é uma iniciativa que deve ser dos pais. Lembrar-se disso várias vezes ao dia ajuda muito os pais em sua tarefa educativa.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br
Texto Anterior: quem é ela Próximo Texto: alecrim: Um francês com quase meio século de SP Índice
|