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s.o.s família - rosely sayão
Dar afeto aos filhos é bem diferente de educar
A última moda em educação agora é o afeto. Já viram como tem gente que se ocupa
da educação falando do papel do afeto? Afeto
demais faz mal, a importância do afeto na escola, afeto como a maior lição etc. Dar afeto, demonstrar ou dosar o carinho que se tem pelos filhos ou pelos alunos é a receita do dia para os educadores. Haja capacidade afetiva para dar conta de tantas emoções! Por isso mesmo o assunto vale uma conversa.
Afetos são emoções, sentimentos e, como
tal, não são previamente controláveis. Alguém
já conseguiu tomar a decisão de amar ou odiar
determinada pessoa? Se isso fosse possível, os
relacionamentos amorosos seriam bem menos árduos, não é? Bastava escolher a dedo a
pessoa certa para amar e pronto. O restante seria uma questão de acertar a convivência.
Mas as pessoas amam ou odeiam sem escolha. Por isso não dá para dizer que o afeto é
fundamental em educação. Uma pessoa pode
muito bem ter afeto por seus filhos ou alunos,
mas não educá-los, por exemplo. Não é por
excesso ou por falta de amor que muitas crianças e jovens crescem desorientados. É, principalmente, por falta de educação. Ou por indiferença, que é a completa ausência de afeto.
Como uma criança percebe que é amada pelos pais? Pela demonstração do afeto: quando
é acarinhada, acariciada, abraçada, beijada.
Quando ouve uma história, uma canção, algumas palavras. Mas isso só deve ser feito quando os pais realmente têm vontade, e não porque é recomendado, já que a criança é sensível
para perceber quando a demonstração de afeto é apenas dramatizada. Afeto não é remédio
que tem dose diária receitada e, muito menos,
causa efeitos colaterais quando expresso em
toda a sua intensidade. A falta ou o excesso de
afeto na relação com o filho só atrapalha quando paralisa os pais em sua função educativa.
A educação familiar é recheada de afeto: a
criança aprende com os pais a se comportar, a
se conter, a não fazer certas coisas e a se obrigar a fazer outras justamente por causa do afeto. A afetividade familiar é a mola mestra da
educação em casa. A criança teme perder o
afeto dos pais, por isso se submete à educação
que eles lhe dão.
Os pais não estão sempre usando a sedução,
a chantagem emocional, as carícias como recompensa e os castigos como punição para
ensinar os filhos? Pois é: o que permite isso, o
que dá eficácia a esse tipo de educação é o vínculo afetivo que une a família. É isso que dá à
criança segurança, estabilidade e força para viver e sobreviver.
O afeto dos pais pelos filhos pode, é claro,
potencializar a educação praticada, mas não a
substitui. Amor é uma coisa, educação é outra.
Os pais precisam se dar conta de que é muito
mais importante praticar uma educação efetiva do que uma afetiva. E de que não é preciso
ter receio do amor que eles têm pelos filhos. Só
mesmo quando esse amor é totalmente desvinculado do filho, ou seja, quando é um amor
possessivo e egoísta, que só serve mesmo a
quem o sente.
Já na escola, a história é bem diferente. Lá é
preciso ter um método objetivo para ensinar,
e o afeto não é nada objetivo. O professor precisa, na verdade, superar seus afetos pelos alunos para que possa exercer bem sua tarefa.
Não se pode obrigar um professor a ter afeto
por todos os seus alunos, não é? Do mesmo
modo, não se pode impedi-lo de nutrir afeto
por alguns deles. Mas é possível dar um caráter positivo ao afeto na escola. Paulo Freire,
em um texto sobre as qualidades indispensáveis ao educador, referiu-se à amorosidade no
processo de ensinar. Isso, sim, é fundamental.
O professor precisa ser apaixonado pela tarefa
que executa para poder dar conta -e bem-
de seu papel social.
O afeto na escola não é fundamental para o
aprendizado -não só dos conteúdos, mas
principalmente o aprendizado da convivência
em sociedade. O suporte teórico da proposta
educacional da escola é que é fundamental. E,
claro, o empenho do professor em executá-lo
com coerência. Afeto nenhum substitui isso.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br
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