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São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 2003
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s.o.s família - rosely sayão

Dar afeto aos filhos é bem diferente de educar

A última moda em educação agora é o afeto. Já viram como tem gente que se ocupa da educação falando do papel do afeto? Afeto demais faz mal, a importância do afeto na escola, afeto como a maior lição etc. Dar afeto, demonstrar ou dosar o carinho que se tem pelos filhos ou pelos alunos é a receita do dia para os educadores. Haja capacidade afetiva para dar conta de tantas emoções! Por isso mesmo o assunto vale uma conversa.
Afetos são emoções, sentimentos e, como tal, não são previamente controláveis. Alguém já conseguiu tomar a decisão de amar ou odiar determinada pessoa? Se isso fosse possível, os relacionamentos amorosos seriam bem menos árduos, não é? Bastava escolher a dedo a pessoa certa para amar e pronto. O restante seria uma questão de acertar a convivência.
Mas as pessoas amam ou odeiam sem escolha. Por isso não dá para dizer que o afeto é fundamental em educação. Uma pessoa pode muito bem ter afeto por seus filhos ou alunos, mas não educá-los, por exemplo. Não é por excesso ou por falta de amor que muitas crianças e jovens crescem desorientados. É, principalmente, por falta de educação. Ou por indiferença, que é a completa ausência de afeto.
Como uma criança percebe que é amada pelos pais? Pela demonstração do afeto: quando é acarinhada, acariciada, abraçada, beijada. Quando ouve uma história, uma canção, algumas palavras. Mas isso só deve ser feito quando os pais realmente têm vontade, e não porque é recomendado, já que a criança é sensível para perceber quando a demonstração de afeto é apenas dramatizada. Afeto não é remédio que tem dose diária receitada e, muito menos, causa efeitos colaterais quando expresso em toda a sua intensidade. A falta ou o excesso de afeto na relação com o filho só atrapalha quando paralisa os pais em sua função educativa.
A educação familiar é recheada de afeto: a criança aprende com os pais a se comportar, a se conter, a não fazer certas coisas e a se obrigar a fazer outras justamente por causa do afeto. A afetividade familiar é a mola mestra da educação em casa. A criança teme perder o afeto dos pais, por isso se submete à educação que eles lhe dão.
Os pais não estão sempre usando a sedução, a chantagem emocional, as carícias como recompensa e os castigos como punição para ensinar os filhos? Pois é: o que permite isso, o que dá eficácia a esse tipo de educação é o vínculo afetivo que une a família. É isso que dá à criança segurança, estabilidade e força para viver e sobreviver.
O afeto dos pais pelos filhos pode, é claro, potencializar a educação praticada, mas não a substitui. Amor é uma coisa, educação é outra. Os pais precisam se dar conta de que é muito mais importante praticar uma educação efetiva do que uma afetiva. E de que não é preciso ter receio do amor que eles têm pelos filhos. Só mesmo quando esse amor é totalmente desvinculado do filho, ou seja, quando é um amor possessivo e egoísta, que só serve mesmo a quem o sente.
Já na escola, a história é bem diferente. Lá é preciso ter um método objetivo para ensinar, e o afeto não é nada objetivo. O professor precisa, na verdade, superar seus afetos pelos alunos para que possa exercer bem sua tarefa.
Não se pode obrigar um professor a ter afeto por todos os seus alunos, não é? Do mesmo modo, não se pode impedi-lo de nutrir afeto por alguns deles. Mas é possível dar um caráter positivo ao afeto na escola. Paulo Freire, em um texto sobre as qualidades indispensáveis ao educador, referiu-se à amorosidade no processo de ensinar. Isso, sim, é fundamental. O professor precisa ser apaixonado pela tarefa que executa para poder dar conta -e bem- de seu papel social.
O afeto na escola não é fundamental para o aprendizado -não só dos conteúdos, mas principalmente o aprendizado da convivência em sociedade. O suporte teórico da proposta educacional da escola é que é fundamental. E, claro, o empenho do professor em executá-lo com coerência. Afeto nenhum substitui isso.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br


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