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São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 2003
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Monge beneditino explica a meditação cristã

FREE-LANCE PARA A FOLHA

O inglês Laurence Freeman, 51, jamais pensou em seguir a vida monástica. Jornalista, aos 25 anos foi fazer um retiro espiritual e estudar a ordem beneditina, a mais antiga das ordens cristãs, criada em 1512. Mas o que era uma experiência prevista para durar apenas seis meses mudou totalmente a vida do ex-estudante de literatura inglesa de Oxford. Ele entrou para a ordem e hoje vive no mosteiro Christ the King, em Londres.
Líder espiritual da Comunidade Mundial de Meditação Cristã, que possui 27 centros de meditação em todo o mundo, Freeman já viajou para diversos países e encontrou-se várias vezes com o dalai-lama. No mês passado, esteve no Brasil para divulgar a visão do cristianismo sobre meditação. Leia a entrevista abaixo, concedida no mosteiro de São Bento (SP), onde ele ficou hospedado, e na qual ele fala sobre meditação, seus encontros com o dalai-lama e o perdão. (ANA PAULA DE OLIVEIRA)

Folha - Qual a importância da meditação?
Laurence Freeman -
A meditação é universal, existe em todas as religiões. Ela une a cabeça ao coração. O silêncio, a tranquilidade e a simplicidade são elementos que permitem o encontro com a presença de Deus de uma maneira que tenha significado, forma e propósito para tudo o que vamos fazer e para tudo o que somos.

Folha - Por que os católicos estão se interessando mais pela meditação?
Freeman -
Há alguns anos, houve uma retomada cristã muito grande, uma fome de espiritualidade, e isso eclodiu também com diferentes formas de chegar a Deus.

Folha - Quando o senhor ouviu sobre a meditação cristã pela primeira vez?
Freeman -
Com um professor que me ensinou a meditação na prática e ensinou também que ela não está limitada aos monges, pode ser praticada por todos.

Folha - As pessoas costumam rezar orações prontas, como o pai-nosso. Qual a diferença entre rezar e meditar?
Freeman -
A oração é útil também. Mas existem diferenças. A prece vem do coração. A meditação é a união com Cristo. Isso é conseguido segundo a prática do silêncio, da tranquilidade, habilitando o dom da contemplação.

Folha - Como é feita a meditação cristã?
Freeman -
Em um lugar tranquilo, duas vezes ao dia, de manhã e à noite, por 20 minutos, sente-se em um lugar com as costas retas, mas confortável, porém não muito senão você acaba relaxando demais e dormindo (risos). Feche os olhos e repita o mantra "maranatha". Pronto, você já está meditando.

Folha - Por que "maranatha"? Não pode ser outra palavra?
Freeman -
"Maranatha" significa, em aramaico, "venha, Senhor, venha, Senhor Jesus". O importante é a repetição da palavra. Se não disser a mesma palavra repetidamente, a concentração se esvai. Mesmo repetindo o mantra, muitas vezes sua mente voará, dispersando-se e passando a pensar em problemas e no que vai fazer amanhã. Quando isso acontecer, volte-se novamente ao mantra. Tente se concentrar nele e sentir a contemplação com Deus. É simples, mas não é fácil.

Folha - Que lição o senhor tirou de seu encontro com o dalai-lama?
Freeman -
Aprendi sobre o diálogo e a olhar a realidade sob outro ponto de vista. As pessoas têm medo de conversar e debater sobre outras religiões porque não têm fé e conhecimento suficientes em sua própria convicção. O medo faz rejeitar o outro, e só o diálogo quebra o ciclo.

Folha - Qual a importância do perdão?
Freeman -
O perdão é essencial para a vida. Todos, em algum momento, experimentam a violência, a dor, a injúria e sentimentos ruins. E, se essa pessoa não perdoa quem a feriu, esse sentimento a destrói, aos poucos, sem ela se dar conta. O perdão é necessário, não é luxúria. Jesus nos ensinou a lidar com a violência usando de compaixão e de não-violência.

Folha - Se é tão vital perdoar, por que não perdoamos?
Freeman -
As pessoas se sentem culpadas por não poderem perdoar simplesmente porque não entendem a essência do perdão. Existem alguns estágios para conseguir perdoar de coração. Se você me machucou, eu sinto ira, raiva, ódio. Eu quero destruí-la. O primeiro estágio é o da aceitação, assumir que estou tendo esses sentimentos. O segundo é o estágio da mudança: quero mudar, pois não consigo mais dormir direito, minha alegria de viver já não é a mesma. Daí vem o terceiro passo do processo, que é o esforço (muito grande) de imaginar por que a pessoa fez o que fez para mim. Jesus disse: "Se te fiz algo errado, me diga. Se não, por que fez isso?". O problema maior é que nem sempre existe uma resposta para certos atos. Em seguida, é necessário observar que você está mudando, que o veneno que a perturbava está indo embora. O quinto passo é transformar o veneno em compaixão. O sexto é a reconciliação; afinal, só você é responsável pelo perdão, porém ambos serão responsáveis pela reconciliação. Não é possível se reconciliar sozinho, o outro tem de estar envolvido. Somente passados esses estágios é possível meditar, com o coração aberto, sem mágoas.

Folha - Meditar pode acabar com os problemas?
Freeman -
Não imediatamente. Mas a meditação abre a mente para novas percepções, que talvez não fossem percebidas.


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