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São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 2003
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outras idéias - thereza soares pagani ("therezita")

Quando os pais deixam o local com a criança chorando, gritando, os educadores têm de estar atentos para perceber se é a mãe ou o pai que choram internamente -a criança fala por eles

A entrada de uma criança na escola

Depois dos primeiros meses do nascimento do filho, muitas famílias procuram escolas infantis para colocar seus filhos. Na busca de conhecer o método e a proposta da escola, costumam fazer uma infinidade de perguntas. "O que vocês vão ensinar ao meu filho? Ele vai ter aula de música, de bandinha ou de pintura? Afinal de contas, a mensalidade é muito cara, precisa ter bons motivos para justificar! Quero período integral, pois eu trabalho e nem vou ter tempo para fazer adaptação."
Vocês podem imaginar que ser humano vai crescer dentro dessa criança tratada assim, sem respeito, vista apenas como objeto de um "desejo" irresponsável para com ela?
Quando o responsável pelo espaço responde que "a criança aqui brinca", já que o trabalho dela nessa fase é exatamente esse, a reação dos pais é bem diversa. Alguns mostram satisfação. Outros expressam que chegaram a um lugar errado. Outros ainda tentam conhecer o espaço e estranham tanta terra, água, árvores, animais, areia. "Não é no mundo competitivo que meu filho vai viver? Como vai passar nos vestibulinhos da vida se passa o tempo todo brincando?"
- Meus senhores, aqui a criança brinca!
- Como? Não vi a brinquedoteca, onde ela fica?
- Em todo o espaço!
- Não tem classes?
- Todos brincam nessa área!
- E as que não brincam o que fazem enquanto os outros brincam?
- Nada!
- E vocês? Também não fazem nada?
- Fazemos companhia, lidando e estando atentas.
Toda criança brinca porque gosta. Para as que ainda não falam, brincar é uma forma de expressar o que estão sentindo, suas experiências e vivências interiores. Brincar, para a criança, é tão vital quanto comer e dormir.
Gastar dinheiro comprando uma infinidade de brinquedos? Bobagem, é só providenciar materiais simples, diversos e em pequena quantidade, pois a grande quantidade tolhe, inibe a criatividade e a aprendizagem, e a criança se perde e não inventa sua brincadeira sozinha.
O espaço para que ela possa brincar deve ser seguro. É hora de tornar a casa o mais segura possível? Objetos de valor, nem pensar! Só assim os aborrecimentos do casal vão ser poupados, e muita energia vai sobrar para uma melhor administração do novo investigador, que não se cansa de tocar em tudo o que vê.
Um novo espaço fora de casa -a escola- é explorado pela criança já aos oito meses se, bem à vontade, ela fica solta para engatinhar, reconhecer o ambiente e manifestar suas necessidades primárias já bem estruturadas. Mesmo a família mais experiente fica confusa ao deixar o filho nesse novo espaço fora de casa. Por isso é preciso cuidado na fase de adaptação. Crianças que não passaram por esse processo têm grande dificuldade em entender o mundo e as pessoas à sua volta.
Quando os pais deixam o local com a criança chorando, gritando, os educadores têm de estar atentos para perceber se é a mãe ou o pai que choram internamente -a criança fala por eles- ou se é realmente a criança que pede socorro, perguntando alto: "Quem me entende neste lugar?". Nessa hora, ela não pode deixar de receber alguma resposta de conforto.
É comum surgirem diferentes manifestações dos adultos que querem fazer parar o choro da criança sem, contudo, entender qual a mensagem de angústia que está sendo dada. Quando isso ocorre, a reação da criança fica ainda mais intensa, porque, em geral, quem interferiu não foi capaz de suportar o choro da separação e se misturou a ele. As coisas se acalmam quando o adulto permanece tranquilo e seguro. Daí a importância de um dos adultos na escola ser homem, pois, muitas vezes, é ele quem aplaca a ira e o sofrimento da criança com um simples segurar e falar com ela, muito embora essa criança ainda não fale. É a comunicação não-verbal que entra em jogo, tão vital para as crianças nessa fase da vida.


THEREZA SOARES PAGANI ("THEREZITA") é educadora e diretora da Tearte, escola de educação infantil; e-mail: tepagani@uol.com.br


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