São Paulo, quinta-feira, 12 de outubro de 2006
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Neurociência

Estar no controle ou não

Eis uma das piores coisas que você pode fazer a alguém: ensinar-lhe que ele não tem nenhum controle sobre sua vida, nem é capaz de evitar acontecimentos ruins. O resultado se chama impotência aprendida: quem aprendeu que não adianta reagir face a problemas nem tenta encontrar uma solução, mesmo quando há saída.
Dezenas de estudos mostram o que acontece nesses casos, especialmente graves quando as lições de impotência começam na infância. Esses indivíduos sofrem de uma percepção negativa do mundo e de ansiedade crônica, dão respostas exageradas ao estresse agudo e crônico e têm uma taxa elevada de doenças.
Ao contrário, a sensação de ter algum controle da situação reduz diretamente a resposta ao estresse e favorece a saúde. Até a sensação de dor diminui quando se sabe que ela será apenas temporária, como uma injeção, ou quando se tem controle sobre a administração de analgésicos.
Curiosamente, a sensação de controle é mais importante do que o controle em si. Dê a alguém um botão para apertar quando sentir dor ou o ambiente ficar barulhento demais, e sua resposta a esses estresses será mais saudável mesmo que o botão não tenha efeito algum sobre a dor ou o som. A importância da sensação de controle também explica por que ficamos menos ansiosos dirigindo o próprio carro do que viajando de avião, embora as estatísticas mostrem que o avião é muito mais seguro.
No avião, somos apenas passageiros à mercê do piloto. Em nosso carro, o piloto somos nós. A sensação de impotência, no entanto, nem sempre é ruim. É saudável, de fato, quando algo moderadamente ruim acontece e você consegue pensar que teria sido pior se você não estivesse no controle. Mas procurar ter controle total sobre todas as coisas é uma péssima idéia.
Primeiro, porque uma vida totalmente controlada seria entediante; segundo, porque seria não só inviável como terrivelmente estressante esperar ter o controle de todas as coisas; terceiro, porque seria injusto exigir de si mesmo o controle de tragédias incontroláveis. Nesses casos, é mais saudável reconhecer que você, afinal, não podia fazer nada.
A sabedoria está no meio-termo, como diz a oração atribuída ora ao teólogo Reinhold Niebuhr, ora a São Francisco de Assis: "Senhor, dai-me a serenidade de aceitar o que não pode ser mudado, a coragem para mudar o que pode ser mudado e a sabedoria para distinguir uma coisa da outra".

[...] A sensação de ter algum controle da situação reduz diretamente a resposta ao estresse e favorece a saúde


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "Sexo, Drogas, Rock'n'Roll & Chocolate" e de "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (ed. Vieira & Lent)
suzanahh@folhasp.com.br


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