São Paulo, terça-feira, 12 de outubro de 2010
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O chão é o limite

Em cruzada contra o 'achatamento' da espécie humana, Ivaldo Bertazzo lança livro com o método criado ao longo de décadas dedicadas à reeducação do corpo, e monta espetáculo para nos lembrar que não somos mais quadrúpedes

Patricia Stavis/Folhapress
Ivaldo ensaia bailarinos do espetáculo, em cartaz no Sesc Pinheiros

MORRIS KACHANI
DE SÃO PAULO

Com mais de 35 anos de profissão, o coreógrafo e bailarino Ivaldo Bertazzo hoje é um especialista no estudo do aparelho locomotor e da biomecânica humana. Ou, como brinca, dos sofrimentos e formosuras de nossa espécie.
Seu pensamento parte do postulado de que a gravidade achata nosso corpo e o desacostuma a usar os amplos recursos de que dispõe. As dores na coluna, as artroses, os joanetes seriam reflexos.
Bertazzo criou um método que aplica em sua escola e que agora chega em forma de livro, para ser usado por professores e por gente comum.
"Corpo Vivo -Reeducação do Movimento" (Edições Sesc SP, R$ 120, 255 págs.) propõe, por meio de exercícios, uma reorganização de movimentos e gestos, proporcionando bem-estar e maior rendimento no trabalho e em outras situações.
O importante é incorporar o aprendizado ao cotidiano.
Como na hora de amarrar o sapato ou bocejar -de boca fechada, de preferência.
No prefácio, o oncologista Dráuzio Varella explica a que veio a obra. "Usamos nosso corpo em desacordo com os fins para os quais foi selecionado. Se a evolução nos tivesse preparado para o mundo atual, poderíamos ter braços que apenas alcançassem o teclado do computador, pernas de comprimento suficiente para acelerar e brecar o carro, e um traseiro enorme para servir de acolchoado nas cadeiras incômodas."
Bertazzo teve aula com profissionais como Klauss Viana e Márika Gidali. Ao lado da dança, aprofundou-se na fisioterapia com as pesquisadoras Marie Madeleine Béziers e Suzanne Piret, na França, e Godelieve Denys Struyf, na Bélgica.
Também viajou pelos destinos mais improváveis como Indonésia e Irã, incorporando as danças e as culturas locais no seu trabalho. Atualmente dirige um espetáculo que mescla teatro e dança, em cartaz no Sesc Pinheiros. Corpo Vivo - Carrossel de Espécies traça uma comparação bem-humorada, mostrando como nossos movimentos estão mais próximos dos répteis, peixes, pássaros e outros bichos do que imaginamos.
O corpo de 16 bailarinos foi formado seguindo o conceito de dança-cidadania, que Ivaldo desenvolve com jovens da periferia.

 

Folha - O que o inspirou a escrever o livro?
Ivaldo Bertazzo -
O ser humano sofre muito com uma constante e excessiva verticalidade. Guiando o carro, subindo no elevador, fazendo reuniões, no supermercado. Ele se acocora pouco, não senta de perna cruzada no chão.Não percebeu que ficar em pé é resultante de outras formas de locomoção.

Como assim?
Já passamos pela fase de peixe enquanto fomos feto, e depois como réptil e quadrúpede, enquanto engatinhávamos. É preciso recuperar essa memória para facilitar a flexibilidade, as dobradiças, o rolamento.

Qual sua proposta?
O vertical vai te achatando, faz joanete, artrose, hemorróida, hérnia, bloqueio intestinal, respiração insuficiente. Como bípede constantemente vertical vou perder espaço na mandíbula, no pescoço, nos espaços vertebrais. A espécie humana tem essa tendência de se achatar, é preciso administrar para não ir nessa direção.

No que consiste seu método?
O que faço é dar nome aos bois. Primeiro, especifico alguns tipos de exercício, que atendem a determinados tipos de corpo. Segundo, virou clube: tem os adeptos do alongamento e outros da massa muscular. A gente mostra que o corpo não só alonga, nem só contrai. Está sempre, como a respiração, expandindo e voltando.

Esses exercícios previnem doenças?
Se deixo de funcionar adequadamente, vou criar comprometimentos futuros viscerais e não só mecânicos. Se eu não tenho uma respiração que me descomprime no eixo vertebral, o trânsito intestinal é menor, o movimento cardíaco é mais limitado.
A ideia é incorporar esses exercícios ao cotidiano.
Lógico que tem que fazer ginástica, dança ou natação, mas tem que mudar a administração cotidiana. É preciso combater a burrice e a vagabundagem psicomotora.

Como?
Prefiro alguém que costure, desenhe, faça arranjo de flores ou um bom corte de peixe, como o sushiman, do que suba na esteira e considere que o exercício foi feito.

E o sedentarismo?
Sedentário, às vezes, é eu ir na academia, e depois voltar para casa e jogar aquela massa corporal no sofá, para jantar e ver TV. O sedentário lê pouco. Um intelectual que lê muito tem tanto vigor mental que aí só precisa cuidar das questões de colesterol e gordura. Ele está ativando uma das coisas mais fundamentais que é o cérebro.

Um ato intelectual é um exercício físico?
Lógico. São sinapses, você consome muita energia. Uma vez perguntaram a uma senhora linda, de 80 anos, como se conservava. Ela falou: "Leio jornal todos os dias". Ela se organizava intelectualmente assim. Você está lendo todas as questões nas quais está inserido. E não é fácil ler jornal, viu?


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