São Paulo, terça-feira, 12 de outubro de 2010
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Mini chefs

Em aulas de culinária especiais, crianças 'aceitam' novos alimentos, treinam coordenação motora e se divertem

GABRIELA CUPANI
DE SÃO PAULO

JEANINE LEMOS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Até pouco tempo atrás, cozinhar era uma atividade para lá de rotineira e desprovida de qualquer glamour. As crianças aprendiam o ofício -e pegavam o gosto pela coisa- ao lado de mães e avós.
Hoje não se fazem mais avós como antigamente e muitas mães nunca pisaram numa cozinha- ou não têm tempo para isso.
Mas, de uns tempos para cá, cozinhar virou moda. A febre chegou às crianças: ateliês e cursos infantis de culinária se multiplicam e os colégios aderiram à onda.
A Escola Wilma Kövesi de Cozinha, uma das pioneiras em São Paulo, oferecia quatro turmas infantis por ano em 2004. Hoje são seis, com 18 alunos, com igual procura de meninos e meninas.
"Muitas mães não querem as crianças na cozinha por causa dos perigos e da sujeira", diz Vera Xavier, gerente do Atelier Gourmand.
Quem procura esses cursos não são apenas as mães desesperadas, preocupadas que os rebentos cheguem à idade adulta sem saber a diferença entre forno e fogão.
Hoje, a missão dessas aulas está muito mais ligada à promoção de uma relação mais saudável dos pequenos com a alimentação.
"A intenção é ultrapassar o ensino das receitas e introduzir uma cultura do alimento, estimular a conscientização de que é importante se alimentar bem. E muitas mães, hoje, não têm tempo para isso", diz Marisa Furtado, da escola Madame Aubergine.
"As aulas ajudam a derrubar preconceitos", diz a professora Betty Kövesi.
Quando é a própria criança que prepara a comida, caem muitos mitos e ela fica com vontade de experimentar sabores novos, segundo a nutricionista Silvana Cintra.
"As aulas são uma forma de educar os pais, e estimulam que eles também se interessem mais pela alimentação", explica ela.

POTINHOS
Esse é o caso da professora Camilla Guimarães, 33 anos, mãe de Maria Beatriz, 9, e de Alice, 2. Depois de desenvolver diabetes gestacional na segunda gravidez, ela teve de modificar sua relação com a comida. "Não queria que minhas filhas tivessem problemas de saúde relacionados à má alimentação", diz. "Quando era criança, minha mãe nunca cozinhava. Tudo o que comíamos eram potinhos. Acho que vem daí meu problema com a comida. Por isso quero uma experiência diferente para minhas filhas", conta Camilla.
A mais velha ainda não está totalmente convencida, mas já arrisca dizer que gosta do cheiro do alho e da cebola.
A advogada Camila Junqueira Franco, 36, mãe de Isabel, 4, e Luiz Antônio, 2, não consegue fazer a filha comer legumes -exceto quando estão na sopa.
Com o curso, pretende despertar a curiosidade em relação aos vegetais e mudar o discurso da menina de que "salada é coisa de adulto". Até aqui, vem dando certo.
A menina ainda não desenvolveu o gosto por abobrinhas, mas quando brinca de supermercado já coloca no carrinho de brinquedo cenouras e tomates.
Para a especialista em nutrição pediátrica Denise Haendchen, do Mini Gourmet, os resultados positivos desses cursos também ocorrem pela relação especial das crianças com a professora.
"A tendência é que utilizem a alimentação como uma forma de barganha com os pais, até porque essa é uma das poucas coisas que conseguem controlar."
Além do orgulho de ter feito a comida e do estímulo de ver os amigos provando, não há pressão nem negociação.
Outros benefícios são o desenvolvimento da criatividade, da coordenação motora e até de noções de matemática.
No entanto, usar as aulas para ensinar conteúdos de forma regular não é consenso. "Sou contra o viés utilitarista. Essas aulas não devem ser vistas como estratégia para chegar a um conhecimento sobre matemática ou nutrição, por exemplo", diz a psicóloga Rosely Sayão, colunista da Folha.
Para Sayão, elas podem servir de apoio dentro de disciplinas, como laboratório. "Na educação infantil, são uma ótima estratégia para se conhecer melhor, desenvolver os sentidos, socializar", exemplifica a psicóloga.
"Elas percebem cheiros, texturas, gostos", diz Paula Bacchi, orientadora do Infantil e Jardim do Colégio Santa Maria, em São Paulo.
"Nada contra fazer uma oficina nas férias, mas a prática regular dessa atividade deveria acontecer em casa, e não em cursos. A cozinha de casa tem o poder de agregar e ali a criança tem o sentido de pertencimento, aprende tradições alimentares", lembra Sayão.
As mães modernas vão ter que se preparar para arregaçar as mangas também -e relevar toda aquela farinha espalhada pelo chão.


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