São Paulo, quinta-feira, 13 de julho de 2006
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comportamento

Nunca é tarde

Atividades motoras e intelectuais ajudam na manutenção de habilidades cognitivas, como memória, atenção e fluência verbal

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Osmar Ribeiro, 73, que toca piano há cinco anos e estimulou a mulher, Deusa, 74, a aprender também; ela prefere as valsas


AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

Diz o ditado que macaco velho não aprende truque novo. Mas, num país em que crescem a expectativa de vida e a população de idosos, multiplicam-se os casos que contrariam essa máxima: são homens e mulheres que, após os 60 anos, decidiram aprender coisas novas e que têm se saído muito bem nesse processo.
O casal Osmar e Deusa Ribeiro integra esse grupo. Aos 74 anos, ela decidiu aprender a tocar piano. "Sempre gostei de música. Quando era pequena, olhava para as teclas do piano e ficava me perguntando: "Como sai música desses pauzinhos?". Mas nunca fui estimulada a aprender a tocar", lembra.
O estímulo veio do marido, Osmar, 73, que aprendeu a tocar piano há cerca de cinco anos. "É uma sensação maravilhosa", diz ele, após exibir seus dotes artísticos. Deusa ainda se mostra tímida antes de tocar e se irrita quando os dedos não encontram a nota, mas, assim que a música termina, deixa escapar uma pontinha de orgulho com a nova habilidade. "Minha professora de piano disse que, se todos os alunos dela fossem como eu, seria ótimo."
Não existe idade limite para aprender novas habilidades, e pesquisas mostram que, em pessoas ativas, a queda normal das capacidades cognitivas é muito sutil e não afeta significativamente a aprendizagem. Mas esse é um conceito que só recentemente começou a ganhar espaço -o Estatuto do Idoso, em vigor desde o início de 2004, exige que o governo também se responsabilize pela educação dos idosos.
"Existe a crença de que, na terceira idade, há um decréscimo das habilidades, especialmente da memória e da flexibilidade de pensamento. Em pessoas ativas, isso não é verdade", afirma Irani Argimon, especialista em envelhecimento e professora da Faculdade de Psicologia da PUC do Rio Grande do Sul. "Há uma perda natural das células, mas o declínio é leve."
No ano passado, ela concluiu uma pesquisa sobre a capacidade cognitiva de pessoas com mais de 80 anos. O trabalho analisou a variação de habilidades como memória e atenção num período de três anos e descobriu que as pessoas mais ativas e com maior escolaridade eram mais protegidas contra a perda dessas capacidades.
"É o mesmo que ocorre com os músculos. Eles se desenvolvem quando você se exercita e atrofiam quando você fica muito tempo parado. Estímulos como ler jornais, estudar e ficar atento ao que se passa no mundo são capazes de gerar alterações positivas", diz.
Uma dessas alterações está relacionada à diversificação das células cerebrais. "O estudo ajuda a desenvolver a rede de neurônios", afirma o médico Luiz Roberto Ramos, diretor do Centro de Estudos do Envelhecimento da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Isso significa que a diminuição de neurônios, que costuma ocorrer após os 50 anos, não afetará tanto aquelas pessoas que estão em contato com atividades estimulantes intelectualmente -nelas, as células cerebrais estarão mais adaptadas para, mesmo em menor número, continuar a "dar conta do trabalho", diz Ramos.

Atividades físicas
As vantagens não estão restritas a quem decidiu estudar filosofia ou aprender um novo idioma. Estudos mostram que começar a praticar um esporte ou uma dança também tem efeitos positivos sobre a capacidade cognitiva dos idosos.
Um desses trabalhos foi desenvolvido pela pesquisadora Hanna Karen Antunes, do Centro de Estudos em Psicobiologia e Exercício, da Unifesp. Ela selecionou 46 homens sedentários, de 60 a 75 anos, e fez com que metade deles passasse por um programa de exercícios.
Ao longo de seis meses, três vezes por semana, os participantes iam à universidade para pedalar numa bicicleta ergométrica por uma hora, em intensidade moderada.
Ao fim desse período, observou-se que o grupo que havia se exercitado teve avanços significativos em relação ao grupo que permaneceu sedentário, alcançando melhores índices nos testes que mediam aspectos como memórias de curto e de longo prazos, capacidade de aprendizagem e raciocínio.
"Houve uma melhora no sistema cardiovascular, que, por sua vez, melhorou o fluxo sangüíneo cerebral, e isso tem uma resposta cognitiva", explica Antunes. Ao mesmo tempo, maus hábitos podem prejudicar essas habilidades. "Fumar e ter uma alimentação muito gordurosa, por exemplo, afetam a forma como as capacidades cognitivas serão preservadas. Eles interferem na circulação sangüínea, que é fundamental para o funcionamento cerebral", afirma Ramos.
Além disso, pesquisas com animais indicam que a prática de exercícios leva a um aumento da neurotrofina BDNF, ligada à nutrição dos neurônios.
O terceiro responsável por essa melhoria não é biológico: trata-se da interação social.
A dona de casa Diva Tuna Gorgone, 77, tem uma academia no prédio, mas quase nunca usa os equipamentos. Não por preguiça. "Prefiro fazer atividades com outras pessoas", explica Diva, que faz ioga, alongamento, condicionamento físico e dança de salão. "Hoje mesmo [segunda-feira] liguei para duas dessas amigas. A gente vai ao cinema, ao teatro. Sinto que isso me favorece."
Neide Di Sessa, 71, que começou a estudar espanhol no ano passado, "para não ter que falar "portunhol" nas próximas viagens", também inclui na lista de vantagens do curso a ampliação do círculo social. Por sugestão do professor, está pensando em montar um grupo de estudo no prédio, convidando outras pessoas da mesma idade para aprimorar a conversação.
"A sala de aula tem um caráter social", afirma Vitória Kachar, professora da Universidade Aberta à Maturidade da PUC-SP. Segundo ela, essa rede social é importante para que o idoso não se sinta afastado das mudanças que ocorrem no mundo e tenha oportunidade de contar suas memórias.
Essa vontade de falar sobre a própria experiência, aliás, é um dos diferenciais da aprendizagem na terceira idade. A sugestão de Kachar, que capacita professores para cursos com idosos, é que as aulas busquem englobar o resgate do passado de cada um. "Isso eleva a auto-estima e dá um novo norte para o sentido do envelhecimento, que, em nossa sociedade, é quase encarado como uma catástrofe."
A professora aposentada Maria José Pensado Ferraz, 67, superou o medo de mexer em computadores dessa forma. "Eu quase não dormia na véspera da aula de informática, de tão tensa que eu ficava", lembra ela, que participa dos programas que a universidade Metodista oferece à terceira idade.
O medo foi passando à medida que ela descobria que a máquina era útil para coisas que ela gostava, como escrever e ler crônicas, procurar receitas e conversar com os parentes distantes. "Hoje, virou uma brincadeira", diz ela, que já começou a investir numa nova atividade: dançar forró e gafieira.
"Eu dançava com meu marido, mas era aquele "dois pra cá, dois pra lá". Sempre quis aprender uns passos diferentes, mas ele não queria fazer curso, nem de dança, nem de nada. Dizia que já sabia tudo o que tinha que saber. Acho que homens são um pouco assim mesmo."
A impressão que Maria José tem é confirmada pela experiência de quem trabalha na área. De acordo com Vitória Kachar, da PUC-SP, geralmente as mulheres correspondem a 90% dos alunos nos cursos para a terceira idade.
Há algumas explicações para isso, inclusive demográficas: existem mais mulheres do que homens na terceira idade, pois elas têm uma expectativa de vida superior à deles.
Outra questão, segundo Kachar, é que os homens geralmente tiveram a oportunidade de se realizar profissionalmente, enquanto às mulheres da geração passada cabia mais o cuidado com a casa e com os filhos. Isso faz com que elas cheguem à terceira idade com vontade de fazer tudo o que não puderam.

Gradativa
Embora a capacidade de aprender esteja presente durante toda a vida, a forma como a aquisição de novos conhecimentos ocorre sofre variações.
Um estudo da Universidade de Stanford com corujas jovens e idosas mostrou como isso ocorre. Os pesquisadores colocaram lentes nas aves, mudando o campo visual delas, e avaliaram o tempo que demoraram para se adaptar. As mais jovens se adaptaram rapidamente, mas as idosas, não.
Quando a alteração foi feita aos poucos, as corujas mais velhas conseguiram se adaptar no mesmo tempo que as mais novas. "Isso mostra que, na terceira idade, a aprendizagem tem que ser gradativa, respeitando as etapas", diz Kachar.
A lentidão é compensada por outras facilidades, como uma maior flexibilidade de pensamento. "Em questões com várias opções, os mais velhos respondem melhor do que os jovens. Por serem menos impulsivos, eles demoram mais a responder, mas dão uma resposta mais completa", afirma Irani Argimon, da PUC-RS.
Para ela, porém, muitos educadores ainda não sabem como lidar com os alunos dessa faixa etária e têm atitudes -infantis ou condescendentes- que acabam afastando-os das salas de aula. "Nossos alunos idosos são muito mais exigentes do que os jovens", conta Vilma Cristina da Silva Militão, coordenadora da unidade da Universidade Aberta à Terceira Idade da Unesp que fica no campus da reitoria. "Eles querem ser avaliados e não fazem corpo mole: querem sempre tirar nota dez."


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