São Paulo, quinta-feira, 13 de novembro de 2008
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OUTRAS IDÉIAS

Michael Kepp

Quanto custou?


[...] NESSA SOCIEDADE SUPERCOMPETITIVA, A TROCA DE CIFRAS AJUDA AS PESSOAS A COMPARAREM RIQUEZA E, POR EXTENSÃO, POSIÇÃO SOCIAL

Os americanos têm o hábito vulgar de quantificar seu poder de compra para divulgar seu status social. Descrevem em dólares seus relógios de 500, seus ternos de 1.000, suas pontes de safena triplas de 50 mil e a faculdade de 80 mil dos filhos.
Em uma tira recente na "New Yorker", uma mulher pergunta à outra: "Quer que mostre meu apartamento, contando quanto paguei por tudo?".
Os americanos também perguntam uns aos outros quanto pagam pelas casas, carros, férias e, se são mais íntimos, quanto ganham. Surpreendentemente, essas perguntas sobre "quanto custou" são respondidas. Por quê? Naquela sociedade supercompetitiva, a troca de cifras ajuda as pessoas a compararem riqueza e, por extensão, posição social.
Os brasileiros acham deselegante fazer essas perguntas e divulgar seu status social, quantificando seu poder de compra. Mais discretamente, qualificam com palavras como "Brastemp", "Honda" ou "Prada". Talvez os americanos usem valores para descrever compras caras porque protestantes acreditam que riqueza é sinal de virtude, e brasileiros evitem fazê-lo porque católicos crêem que riqueza significa falta de virtude. Ou será que a questão é mais complexa?
Tanto americanos quanto brasileiros gastam mais do que ganham. Enterram-se nos cartões de crédito e pedem empréstimos para pagar outros. Os brasileiros também abusam de cheques pré-datados e de prestações com juros extravagantes que não podem honrar.
E, nas duas culturas, os ricos ostentam seu poder de compra para mostrar que fazem parte da elite. Mas a crise econômica nos EUA reduziu o número de ricos que alugam limusines para rodar a noite de Nova York e que compram jatinhos particulares. Na mais próspera economia brasileira, entretanto, o número de ricos e novos ricos tem aumentado. Daí, a venda de helicópteros a paulistas se mantém forte, e cariocas continuam a pagar a astros de novelas cachês altos para aparecer em festas.
Muitos americanos ostentam a fortuna com mais classe, doando parte dela a caridades, hospitais e universidades. A filantropia deles é motivada por culpa, isenções fiscais e "auto-interesse esclarecido", a crença de que uma sociedade mais sadia e educada beneficia a todos e mantém a ordem social.
Brasileiros ricos são famosos por doar muito pouco. É verdade, poucos ganham isenções fiscais. Também acreditam que é dever do Estado cuidar dos pobres, mesmo que este nem sempre tenha verba para isso.
Por quê? A verba é empregada para tornar a elite mais rica.
Amigos americanos, às vezes, fazem um ao outro a pergunta tabu: quanto dinheiro você tem? Mas não recebem respostas sinceras. No mundo todo, é uma cifra que os donos de somas substanciais mantêm em segredo -até dos cônjuges.
Quem tem segurança financeira prefere confessar perversões sexuais a quantificar seu patrimônio líquido. Essa revelação faria com que se sentissem desprotegidos. E, no fim das contas, o dinheiro não deveria nos fazer sentir o contrário?


MICHAEL KEPP , jornalista norte-americano radicado há 25 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro", (ed. Record); www.michaelkepp.com.br

Leia na próxima semana a coluna de Anna Veronica Mautner


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