São Paulo, quinta-feira, 14 de junho de 2001
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s.o.s família

Panelinha em família é a maior felicidade

ROSELY SAYÃO

"Qual o segredo de uma família feliz?", perguntou uma vez uma jovem mulher, toda atrapalhada no relacionamento com os filhos pequenos, a mãe idosa e o marido exigente, todos morando na mesma casa. Essa questão me fez lembrar imediatamente de uma imagem que certamente todos temos -ou pelo menos tivemos um dia- que começou a ser criada quando ouvíamos as histórias infantis que terminavam com o desfecho mágico "e foram felizes para sempre": a imagem da família reunida e feliz.
A duras penas aprendemos, na vida adulta, que não é bem assim. Família sempre supõe conflitos, exigências, anseios, obrigações, compromissos e muito mais. Ter família dá trabalho, ter família é sacrificante, ter família é uma imensa responsabilidade. Para viver em família, é preciso fazer concessões diariamente, é preciso uma boa dose de sacrifício por parte de todos os membros. E há um bom motivo para tanto: o conforto, a proteção e o aconchego do afeto e do relacionamento íntimo com os familiares. Mas como alcançar esse benefício?
Não é fácil, pois começa com a tarefa diária de apagar aquela imagem de que vamos chegar em casa e encontrar um clima aconchegante e harmonioso, o qual vai nos ajudar a recuperar as forças para enfrentar o dia seguinte, sempre tão árduo, e que vai nos proteger desse mundo tão competitivo e hostil. Não é essa a realidade porque esse clima não existe por si só; ele existe apenas quando criado, quando construído e, assim mesmo, não é eterno. Ao contrário, ele se alterna com os momentos atribulados e desgastantes, o que é normal em toda a família, principalmente naquelas que procuram criar, ter e manter uma boa convivência. Mas, para suportar esses períodos conturbados, cumplicidade é fundamental.
O filho de 9 anos de uma amiga, ao término de um final de semana em família, saiu-se, não mais que de repente, com uma frase deliciosa: "Mãe, como a gente é feliz, né?". E é bom ressaltar que nem havia sido um fim de semana especial, planejado pela família. Eles apenas passaram dois dias juntos sem outra preocupação se não a de estarem reunidos: conversando, lembrando gafes e rindo delas, contando casos familiares, jogando, assistindo TV, às vezes cada um na sua ou até não fazendo nada juntos. A que se referia, então, a observação do garoto?
Talvez ele tenha percebido, na relação que ele tinha com a família -pais e irmão-, uma ligação que permitia que ele se reconhecesse como membro de uma panelinha: a tal cumplicidade. Quem já não experimentou algum desses momentos de cumplicidade familiar e não sentiu um imenso prazer em ter compartilhado isso?
Pois essa cumplicidade é um dos elementos que unem e reúnem a família e que resulta da convivência. Além da convivência em torno das tarefas e das obrigações, a família sempre pode parar por uns momentos e colocar a conversa e os afetos em dia. Nem tanto a conversa, mas muito os afetos. Pode ser em torno da mesa, pode ser em frente à TV, pode ser no jardim, na área de serviço, na sala ou no quarto, não importa. Pode ser até no ato de compartilhar alguma tarefa ou no planejamento do dia seguinte. O que importa é que, nesse momento, que nem precisa ser diário, o compromisso e as obrigações de uns com os outros sejam quebrados -ou pelo menos deixados de lado- para que o relacionamento possa rolar mais solto e para que a cumplicidade se estabeleça.
Pertencer a uma panelinha que não se desfaz nem na presença de pessoas estranhas e que sobrevive à distância é um conforto, é um aconchego. Certamente criar a cumplicidade entre os membros da família não é o segredo da felicidade dela, mas que é uma pista, é.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo É Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br



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