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s.o.s família
Panelinha em família é a maior felicidade
ROSELY SAYÃO
"Qual o segredo de uma família feliz?",
perguntou uma vez uma jovem mulher, toda atrapalhada no relacionamento com
os filhos pequenos, a mãe idosa e o marido exigente, todos morando na mesma casa. Essa questão me fez lembrar imediatamente de uma imagem que certamente todos temos -ou pelo menos tivemos um dia- que começou a ser criada quando ouvíamos as histórias infantis que terminavam com o desfecho
mágico "e foram felizes para sempre": a imagem da família reunida e feliz.
A duras penas aprendemos, na vida adulta,
que não é bem assim. Família sempre supõe
conflitos, exigências, anseios, obrigações,
compromissos e muito mais. Ter família dá
trabalho, ter família é sacrificante, ter família é
uma imensa responsabilidade. Para viver em
família, é preciso fazer concessões diariamente, é preciso uma boa dose de sacrifício por parte de todos os membros. E há um bom motivo para tanto: o conforto, a proteção e o
aconchego do afeto e do relacionamento íntimo com os familiares. Mas como alcançar esse
benefício?
Não é fácil, pois começa com a tarefa diária
de apagar aquela imagem de que vamos chegar em casa e encontrar um clima aconchegante e harmonioso, o qual vai nos ajudar a recuperar as forças para enfrentar o dia seguinte, sempre tão árduo, e que vai nos proteger
desse mundo tão competitivo e hostil. Não é
essa a realidade porque esse clima não existe
por si só; ele existe apenas quando criado,
quando construído e, assim mesmo, não é
eterno. Ao contrário, ele se alterna com os momentos atribulados e desgastantes, o que é
normal em toda a família, principalmente naquelas que procuram criar, ter e manter uma
boa convivência. Mas, para suportar esses períodos conturbados, cumplicidade é fundamental.
O filho de 9 anos de uma amiga, ao término
de um final de semana em família, saiu-se, não
mais que de repente, com uma frase deliciosa:
"Mãe, como a gente é feliz, né?". E é bom ressaltar que nem havia sido um fim de semana
especial, planejado pela família. Eles apenas
passaram dois dias juntos sem outra preocupação se não a de estarem reunidos: conversando, lembrando gafes e rindo delas, contando casos familiares, jogando, assistindo TV, às
vezes cada um na sua ou até não fazendo nada
juntos. A que se referia, então, a observação do
garoto?
Talvez ele tenha percebido, na relação que
ele tinha com a família -pais e irmão-, uma
ligação que permitia que ele se reconhecesse
como membro de uma panelinha: a tal cumplicidade. Quem já não experimentou algum
desses momentos de cumplicidade familiar e
não sentiu um imenso prazer em ter compartilhado isso?
Pois essa cumplicidade é um dos elementos
que unem e reúnem a família e que resulta da
convivência. Além da convivência em torno
das tarefas e das obrigações, a família sempre
pode parar por uns momentos e colocar a
conversa e os afetos em dia. Nem tanto a conversa, mas muito os afetos. Pode ser em torno
da mesa, pode ser em frente à TV, pode ser no
jardim, na área de serviço, na sala ou no quarto, não importa. Pode ser até no ato de compartilhar alguma tarefa ou no planejamento
do dia seguinte. O que importa é que, nesse
momento, que nem precisa ser diário, o compromisso e as obrigações de uns com os outros sejam quebrados -ou pelo menos deixados de lado- para que o relacionamento possa rolar mais solto e para que a cumplicidade
se estabeleça.
Pertencer a uma panelinha que não se desfaz
nem na presença de pessoas estranhas e que
sobrevive à distância é um conforto, é um
aconchego. Certamente criar a cumplicidade
entre os membros da família não é o segredo
da felicidade dela, mas que é uma pista, é.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo É Sexo" (ed. Companhia das Letras);
e-mail: roselys@uol.com.br
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