São Paulo, quinta-feira, 14 de setembro de 2000 |
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drible a neura Corpo se defende como pode da violência
KARINA KLINGER
O canivete que entra pela janela do carro parado
no farol, a mão brusca que arranca a corrente do
pescoço ou a carteira do bolso da calça, a arma apontada para o motorista durante os intermináveis minutos de um sequestro relâmpago. Depois de vivenciar
experiências violentas como essas, a pessoa nunca
mais é a mesma e reage como pode. Sentir o corpo dolorido como se tivesse participado de uma luta, ter insônia ou sintomas de depressão, ficar revoltado ou com vontade de sair do país, enfrentar
dores de cabeça e sentir pânico só de pensar
em uma situação semelhante são sensações
comuns e normais.
"Quando alguém chega muito perto no ônibus, já começo a ficar com receio. Hoje só pego ônibus quando está vazio", conta a chocolateira Maria Tereza Correa, 39. Algumas pessoas podem achar que Maria está sendo exagerada ou até mesmo neurótica. Mas o que
poucos sabem é que esse comportamento é
uma reação instintiva. Um evento traumático
desencadeia diversas reações químicas e psicológicas que geram imagens e ativam sentimentos que ficam gravados na memória para
sempre, deixando marcas na própria vivência
do indivíduo.
"São reações difíceis de prevenir; cada pessoa tem uma estrutura psicológica específica
para lidar com o problema e irá reagir de acordo com isso", afirma o psiquiatra Francisco
Lotuffo Neto, do Hospital das Clínicas (SP).
A situação torna-se preocupante apenas
quando os sintomas começam a atrapalhar a
vida da pessoa. É o que os médicos chamam
de estresse pós-traumático, inicialmente batizado como neurose de guerra por ter sido frequente em soldados após a Guerra do Vietnã
(1963-1973).
"A reação normalmente mais comum é a
que envolve uma sensação de distanciamento
afetivo, que implica em não querer sair de casa
por causa do medo. Angústia, ansiedade, pesadelos e depressão também podem acontecer", explica o psiquiatra. "Se esse conjunto de
sintomas durar alguns dias, não há motivo de
preocupação. Mas, se perdurarem por meses,
é melhor procurar ajuda profissional."
Sejam passageiras ou não, essas reações começam durante o evento traumático. As pessoas sentem o coração bater mais rápido, a
pressão arterial aumenta, as mãos ficam trêmulas, as pupilas se dilatam, e assim por diante (veja na pág. 13). Como constituem reflexos
do próprio corpo revelados em situações de
risco, não há maneira de prevenir. O ideal é saber o que vai acontecer e evitar o desespero,
pois essas sensações mais agudas passam rapidamente em pessoas sadias. "Tudo acontece
porque há uma liberação maior de adrenalina,
substância que também é conhecida como
hormônio do estresse", explica o clínico-geral
Arnaldo Lichtenstein, do HC. |
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