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CRIANÇA
Educados para a perfeição
Autora do livro "A Nation of Wimps", a jornalista norte-americana Hara Estroff Marano investiga a ascensão da "paternidade invasiva" entre a classe média nos EUA e seus frutos: crianças exageradamente complacentes e que não sabem lidar com seus fracassos
DENISE MOTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
De manhã, colégio. De
tarde, aulas de inglês,
computação, ginástica. Essa pode ser a
rotina normal de uma criança
ou adolescente de classe média.
Adicione a esse cardápio cursos
extracurriculares, como mandarim, horas de estudo intensivo com professores especializados em exames de admissão
das mais importantes universidades dos Estados Unidos e, se
houver tempo livre, sessões de
CDs e DVDs didáticos. Não há
espaço para problemas nem
notas baixas -está completa a
agenda da criança vítima do
"overparenting".
O termo em inglês corresponde a procedimentos de "paternidade excessiva" ou "invasiva" e é um fenômeno que vem
se manifestando com vigor
-alimentado por uma indústria de produtos educativos
destinados a formar gênios desde os primeiros meses de vida-
em meio às famílias abastadas
dos EUA. Tem como causas
tanto fatores de ordem global
-as incertezas do panorama
econômico mundial, que exige
profissionais cada vez mais capacitados- quanto debilidades
individuais: por exemplo, pais
superprotetores e ambiciosos,
em busca de realização pessoal
por meio dos filhos, e outros
que almejam simplesmente estar convencidos de que seus rebentos são melhores do que os
do vizinho.
A análise é de Hara Estroff
Marano, autora de "A Nation of
Wimps: The High Cost of Invasive Parenting" (Uma Nação de
Fracos: O Alto Custo da Paternidade Invasiva). Uma das editoras da revista "Psychology
Today", a jornalista, que também escreveu em publicações
como "The New York Times" e
"USA Today", investiga de que
forma o excesso de preparação
acadêmica e a preocupação em
poupar os filhos dos mais elementares problemas cotidianos levam a uma geração de
pessoas "exageradamente
complacentes, sem resiliência,
sem desembaraço, que se ofendem facilmente e que têm pouca perseverança e tolerância
para atingir objetivos", diz.
Mãe de dois adultos, Marano
conversou com a Folha sobre o
novo "patamar de devoção" aos
filhos e os objetivos de seu livro. "Estou preocupada com o
futuro. Nenhuma democracia
pode prosperar com indivíduos
condescendentes, e nenhuma
economia pode avançar sem
inovação e sem que se assumam riscos".
FOLHA - Que experiência específica
a levou a escrever o livro?
HARA ESTROFF MARANO - Em
2002, escrevi uma reportagem
sobre o fato de as universidades
procurarem em níveis extremamente altos serviços psicológicos e psiquiátricos devido
ao aumento do número de estudantes com profunda depressão e desordens de ansiedade que incluíam ataques de pânico, automutilação, disfunções alimentares, excesso no
consumo de álcool e suas consequências. Comecei a perguntar o porquê. Todo mundo dizia
a mesma coisa: os estudantes
não tinham nenhuma habilidade para lidar com problemas e,
portanto, eram facilmente
atingidos por qualquer dificuldade ou desafio. E por quê?
Porque seus pais haviam feito
tudo por eles. Buscaram tão ansiosamente o sucesso de seus
filhos que pairaram sobre eles
todo o tempo e lhes eliminaram
as pequenas agruras da vida. Se,
por exemplo, eles esquecessem
um livro em casa, os pais levariam o material correndo para a
escola. Se a criança obtivesse
uma nota que decepcionasse os
pais, eles telefonariam para a
escola para tentar mudar a má
avaliação. Foi assim que eu descobri o que chamo de "paternidade invasiva". E decidi escrever sobre isso porque estou
preocupada com o futuro de
nossa sociedade, em que estamos alimentando a fragilidade
psicológica em nossos filhos.
FOLHA - Qual a diferença entre os
filhos dos atuais "pais invasivos" e a
criança mimada de décadas atrás?
MARANO - As crianças mimadas, em tese, têm tudo o que
querem. As crianças que têm
pais invasivos estão sob superproteção porque é isso o que os
pais delas querem. Não se permite às crianças dar passos importantes porque seus pais fazem as coisas por elas, lhes limpam o caminho. Esses pais trabalham para que seus filhos sejam bem-sucedidos porque a
percepção subjetiva do pai repousa nos êxitos do filho. Há
estudos que mostram que estimular os filhos sem parar é percebido pelas crianças como
uma exigência de perfeição.
FOLHA - Na Ásia, é comum a existência de crianças treinadas de modo exaustivo para que sejam excelentes em uma atividade específica.
Qual é a diferença entre essa prática
e a paternidade invasiva ocidental?
MARANO - Uma delas é que as
crianças asiáticas são elogiadas
por trabalhar duro. Quando as
crianças norte-americanas se
sobressaem, elas são tratadas
como "brilhantes", "talentosas", "espertas", "atletas naturais". A diferença no tipo de
elogio que elas recebem é importante. O reconhecimento
que vem por parte dos pais ocidentais é dado para que se projete sobre os próprios pais, mas,
mais importante, seus filhos
terminam pensando que há um
reservatório de talento neles. O
problema é que, quando essas
crianças alcançam um certo nível de dificuldade ou desafios,
desistem, porque acham que
não são mais inteligentes. São
crianças avessas ao risco e que
preferem o certo ao duvidoso.
FOLHA - O "overparenting" se deve
mais ao contexto externo (aumento
da competitividade no mercado de
trabalho etc.) ou à necessidade dos
pais de ter filhos que possam satisfazer suas ambições?
MARANO - É uma combinação
das duas coisas. O ponto central é que os pais estão usando
os filhos para atingir suas próprias necessidades emocionais.
Isso é extremamente narcisista. Ao mesmo tempo, quando
você analisa de onde vem toda
essa ansiedade paterna, você vê
que sua origem está na percepção que pais e mães têm de que
o mundo mudou, de que agora
vivemos em um mercado global
e tudo é muito rápido e dinâmico. Há muito mais incerteza ou,
pelo menos, há a percepção de
que tudo é muito mais incerto.
É obrigação de todo pai e toda
mãe preparar seus filhos tão
bem quanto possam para a vida. Mas alguns fracassos são
importantes porque nós aprendemos mais com eles do que
com o sucesso.
FOLHA - Que tipo de pais tendem a
ser invasivos?
MARANO - Os pais que apresentam esse comportamento são
muito conformistas, não confiam em suas habilidades como
educadores e são muito críticos
em relação a outros pais. Um
exemplo: hoje em dia não é
mais suficiente que um pai vá
ver seu filho jogar futebol; ele
tem de comparecer a todos os
treinos. E, se você não fizer isso, é considerado um pai ou
uma mãe negligente. O julgamento de outros pais é algo novo e ajuda a fortalecer a rápida
disseminação desse tipo de paternidade como o novo padrão
de devoção a seu filho.
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